A livreira viajante

Esta história é uma homenagem singela aos livros e ao ato de ler. A narradora nos conta as suas memórias de infância e seu percurso leitor que teve inicio com as visitas inesquecíveis de uma livreira viajante, responsável pelos bons momentos em que as histórias e os livros eram protagonistas. Anita Prades cria uma atmosfera com sua poesia e com as suas ilustrações, em que a leitura e os livros se misturam com os cheiros e as recordações mais agradáveis da infância. A ponto de, cada vez que este ritual se repete, ano após ano, estas memorias voltam com toda a sua força.

Trilogia das pequenas permanências

O Selo Emília lança a Trilogia das pequenas permanências:  Fio de RioA casa dos vaga-lumes e A livreira viajante de Anita Prades.

Lançado em 2020, Fio de Rio conta a experiência de descoberta que transforma a maneira de uma criança enxergar e compreender a metrópole que habita e é fruto de pesquisa acadêmica da autora (as ilustrações desse livro, aliás, integram exposição internacional da Bienal de Bratislava 2023). Chegam agora para fechar a trilogia A casa dos vaga-lumes, que tem como fio condutor o olhar de uma menina sobre a convivência com seus avós, e a A livreira viajante, uma singela carta de amor aos livros e aos que se dedicam a fazer com que livros e pessoas se encontrem.

Mestre em Artes, Anita também é atriz, educadora e colaboradora permanente do Instituto Emília. Já ilustrou diversos livros. A Trilogia das pequenas permanências marca sua experiência como autora-solo. Batemos um papo com ela sobre o livros. Leia a seguir:

Priscilla BrossiSeu primeiro livro, “Fio de Rio”, foi resultado de uma investigação acadêmica, que explorou novos contornos entre o teórico e a prática. Como foi o processo de elaboração de “A casa dos vaga-lumes” e de a “A livreira viajante”, que estão sendo lançados agora?

Anita Prades – Entendo que “A casa dos vaga-lumes” é fruto do mesmo processo de onde nasceu o “Fio de Rio”, que foi minha pesquisa de mestrado, apesar de ter criado o livro tempos depois da conclusão da dissertação. Os textos de filosofia que entrei em contato durante aquela investigação eram recheados de imagens instigantes e bonitas, e acho interessante perceber como a reflexão teórica é também um processo cheio de poesia, que impulsiona a criatividade, especialmente no contexto do curso e da orientação que vivenciei no Instituto de Artes da UNESP, uma experiência muito querida para mim – assim como é minha orientadora, Rita Bredariolli, para quem dedico os Vaga-lumes. Ela que me apresentou, há anos, o texto “A sobrevivência dos vaga-lumes”, de Georges Didi-Huberman, que fala da metáfora dos vaga-lumes como lampejos de resistência, algo que se depositou com muita força na minha imaginação. Uma noite (da qual me lembro bem pois era uma das primeiras noites em que estávamos em casa após o nascimento da minha filha, e ela finalmente havia adormecido e fazia o silêncio da madrugada), olhei pela janela do alto do prédio em que morava e as luzes da cidade populosa que é São Paulo me pareceram uma nuvem de vaga-lumes, a distância dava a ilusão que elas piscavam. Lembrei de um texto de Eduardo Galeano que diz que as pessoas são como um mar de fogueirinhas. A partir daí, uma metáfora foi se juntando com outra e a história da ”A casa dos vaga-lumes” se desenhou inteira de uma vez, temperada pela memória de algumas vivências pessoais. 

No caso de “A livreira viajante, acho que surgiu do desejo de gravar uma carta de amor ao livro e aos que se dedicam para que livros e pessoas se encontrem, pois parte de um lugar de defesa e de pesquisa sobre a importância fundamental da literatura, da arte e da imaginação na sociedade – algo profundamente potencializado pela parceria que tenho aqui com o Instituto Emília e as experiências preciosas que tive o prazer de acompanhar. 

PB É possível identificar um fio condutor na trilogia? Em que aspectos os três livros se aproximam?

AP Os três livros surgiram de processos de curiosidade, sem compromisso, cada um com uma técnica diferente, sempre em uma pegada de experimentação, sem prazos, em processos autorais de muita liberdade de tempo e espaço. Então, nunca foi algo planejado como uma trilogia, tanto que não pensei em um padrão imagético ou algo do tipo, para mim cada um era fruto de um processo distinto. Porém, com os três livros prontos, vi que tinham muitas conexões, e juntá-los em uma coleção me pareceu ampliar as possibilidades de leitura de cada um. Não gostaria de limitar essas conexões possíveis em uma lista fechada, porque não quero encerrar outras interpretações possíveis, mas, para mencionar alguns dos pontos que parecem atravessar os três: os trânsitos entre o campo e a cidade simbolizando grandes mudanças; o olhar da criança como fio condutor de uma jornada de amadurecimento poético; as relações de cuidado e afeto entre adultos e crianças; e, principalmente, os temas da memória e da imaginação. 

PB Por que a trilogia recebeu o título “pequenas permanências”? 

AP Justamente por conta desses temas que permeiam o trio, e que me instigam profundamente: a memória e a imaginação. As três histórias, de certa forma, possuem passagens de tempo marcantes, que transformam profundamente um estado inicial, o que ativa os processos de rememoração e criação imaginária dos personagens envolvidos. Os livros dizem de pequenas permanências na medida em que chamam a atenção para singelezas que poderiam passar desapercebidas: os pequenos indícios que resistem à passagem do tempo, remetendo a experiências individuais e coletivas de um passado que se faz presente, ainda vibrando em sua força e latência. O fiapo de água que outrora foi um rio caudaloso; ver nos vaga-lumes intermitentes o brilho dos olhos de uma pessoa querida; a ilustração de uma história lida na infância que permanece pelo resto da vida… Alguns exemplos de permanências fugazes, que me encantam.

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