6 Perguntas a Roberto Innocenti (e um acaso)

A poeta María José Ferrada visitou o ilustrador italiano Roberto Innocenti e o entrevistou em seu estúdio. Innocenti dá conselhos aos jovens ilustradores e deixa claro o quanto é importante para ele, a liberdade criativa: “Um ilustrador deve, acima de tudo, ilustrar para si mesmo.”

Roberto Innocenti

Roberto Innocenti (Bagno a Ripoli, 1940) é simpático, sorridente, acolhedor. E é também um dos ilustradores mais importantes do mundo, reconhecido com os prêmios mais altos existentes de ilustração, entre eles o Hans Christian Andersen (2008) e o Libreter (2013) por La niña de rojo (kalandraka, 2013).

O ilustrador vive em uma cidadezinha perto de Florença, na Toscana, onde ele nos levou para que pudéssemos conhecer o seu local de trabalho: um segundo andar onde se destaca uma janela de onde se pode ver a campagna italiana. Penso que, embora a janela seja pequena, a luz que ilumina o espaço é um privilégio. E é essa luz a que penetrou nas ilustrações de Roberto Innocenti, um homem comprometido, reflexivo e crítico de seu tempo.

A menina de vermelho

Depois de ver esboços, primeiras edições, incluindo livros traduzidos para o japonês, russo ou georgiano, que ele mostra com sincera satisfação, quase infantil, pergunto algumas coisas que podem servir como orientação para quem está começando na profissão em que ele se tornou um professor. Estou nervosa, mas sua amabilidade e simplicidade rapidamente me fazem sentir confiante.

Gran Teatro


– O que dizer para um ilustrador que está começando?

Eu diria que desenhar se aprende desenhando e que é essencial querer contar uma história. Porque ilustrar é comunicar e para comunicar tem que olhar o mundo, manter os olhos abertos. Olhar muitos livros sim, mas não para copiar, mas para ver o que eles querem dizer e como dizem.

Cada país tem suas próprias características, mas é importante não ficar fechado, porque o texto será traduzido, mas a ilustração deve ser capaz de falar, de comunicar, à pessoas que estão fora desse círculo.
E também diria que, depois de desenhar e desenhar, não é suficiente saber desenhar, é preciso conhecer, aprender sempre, porque para comunicar é preciso ter algo a dizer. Devemos forjar um rico mundo interior e, depois, tentar colocar isso no papel.

– Nos encontramos na Feira do Livro Infantil de Bolonha. O que vai fazer em Bolonha um ilustrador tão consagrado?

Vender o meu trabalho, como todos os outros (ri com uma risada contagiante). É um lugar onde se pode encontrar com as grandes editoras. Mas essas editoras não me interessam, prefiro as editoras pequenas com as que se pode trabalhar e manter a liberdade. Porque essa é uma outra coisa que o ilustrador não pode perder. E é difícil porque aqui na Europa já passamos por momentos históricos que reduziram nossa liberdade abertamente, mas caiu o muro, acabou o fascismo e pensamos, finalmente estamos livres para dizer o que pensamos. Não era tão simples liberdade de dizer alguma coisa, que é basicamente o que fazemos os artistas; continua sendo, ainda hoje,  uma questão complexa.

Muro menina
Rose Blanche


– O fato de ser um ilustrador muito crítico do seu tempo lhe fechou portas no começo?
 

Isso continua me fechando portas, ainda hoje (risos de novo).

– Voltando à Bolonha. Pareceu-me que se podia ver uma produção muito homogênea, típica das grandes editoras, e de outro lado, livros muito arriscados e elaborados plasticamente, mas que não conseguem comunicar ou emocionar. Como vê isso?

Os ilustradores, muitas vezes, têm medo de não agradar aos editores, e com isso voltamos ao tema da liberdade. Um ilustrador deve, acima de tudo, ilustrar para si mesmo; ele deve ser o seu próprio público. Se fizer isso talvez fique fora de moda e não conseguirá atingir 10 mil pessoas, mas se conseguir chegar à umas mil ou umas cem, então esses cem serão importantes porque terá chegado a eles com o que queria transmitir, com a sua história e não com a história que dita o mercado.

Soldado

– Em que o senhor está trabalhando agora?

Estou trabalhando em um pequeno poema de um navio que viu todos os mares do mundo, todos os portos e todas as batalhas. Trata-se de um navio que navega durante toda uma vida e chega um momento em que decide que é hora de conhecer o que existe no fundo do mar. Esse é o fio condutor, a partir daí posso fazer um passeio pela história, a viagem pode começar, por exemplo, em 1930, e durar 70 anos. Imagine tudo o que  se passou em 60 anos no mar, tudo o que esse barco viu.

viagem


– A viagem ao fundo não está pronta, a mais difícil?

(Innocenti não responde e ri de novo aquela risada contagiante).

A manhã termina. Vamos almoçar comida típica da sua terra e, em seguida, vai nos deixar na estação de trem. No caminho para Florença, leio em uma entrevista sobre sua vida, e encontro o seguinte:

“Sempre desenhei e copiava um pouco de tudo. Lembro-me de na quinta série primária participar de um concurso de desenho para crianças organizado no Chile e acabei vencedor. Era convocado pelo Ministério de Educação Pública. Disseram-me na escola. O diretor e o professor me convidaram para participar e eu fiz “Garibaldi a cavalo”, porque estava estudando o Ressurgimento. A escola enviou para o Chile com o meu nome: o menino Roberto Innocenti, quinto ano, escola primária, “Giovanni Villani”, Florença.


Depois de um tempo, quando eu não estava esperando por isso, chegou um diploma em espanhol, escrito em letra gótica, onde aparecia meu nome. Me transformei num herói de dois mundos, como Garibaldi, e meus colegas me perguntavam: mas onde fica o Chile? Do outro lado do mundo, eu respondia.
Lembro-me que meu prêmio foi comemorado na escola”.

Continuo a viagem, imaginando um Innocenti de dez anos, seu desenho de Garibaldi, o diploma que veio de algum ministério do Chile nos anos 50 e que viajou, assim como o barco do poema, para chegar às mãos do menino que se tornaria um grande ilustrador. Imagino (e me parece ouvir), sua risada depois de recebê-lo, a felicidade de seus colegas de escola.1Texto publicado no blog da Fundación La Fuente, em abril, 2013.

menina

Tradução Dolores Prades

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