
O grande patrimônio que temos é a memória.
A memória guarda o que vivemos e o que sonhamos.
E a literatura é esse espaço onde o que sonhamos encontra o diálogo.
Disse Bartolomeu Campos Queirós, grande autor brasileiro falecido em 2012. Memória e literatura andam juntas e resgatam momentos que perdem sua fugacidade quando plasmados pelo texto e pela imagem, no caso dos livros ilustrados.
Falar de memórias na infância?
Pode parecer estranho, mas literatura infantil é coisa séria. E a esses pequenos e jovens leitores precisamos oferecer a melhor literatura. Muitas vezes divertida, mas também na densidade que muitas questões humanas, como a dor do crescimento, – pois crescer não é fácil – a memória, a nostalgia, as lembranças, exigem.
Nesta melhor tradição se insere o livro álbum Orie, de Lúcia Hiratsuka, publicado pela editora Pequena Zahar. Livro de uma grande sensibilidade e beleza que resgata um momento fugaz, mas marcante, na memória de sua avó – Orie. Uma avó muito presente e querida que deixou marcas profundas nas lembranças da autora ilustradora.

Lúcia conta que Orie saiu do Japão e chegou ao Brasil com quase vinte anos. Mas o seu furusato (terra natal) continuava na sua memória do jeitinho que havia deixado. Orie dizia que isso lhe dava forças para enfrentar qualquer dificuldade.
A história se passa no Japão rural, em um tempo em que barqueiros navegavam pelos rios para vender seus produtos nas grandes cidades. A rotina da pequena Orie é uma história real, com surpresas e desafios, alegrias e tristezas. O tempo do rio, a serenidade, a cor da terra, o ritmo do mundo rural são elementos presentes na narrativa textual e visual do livro.
Frases curtas, ritmo, papel craft que cobre tudo com a cor da terra, economia de traços com carbono que compõem belíssimas paisagens, uma personagem criança encantadora, são os recursos encontrados pela autora para prestar esta homenagem à memória de sua avó imigrante.
Mas também ao rio e ao barco, “ninho” que embala a pequena nas suas primeiras experiências e vivências. Lugar de afeto e segurança, onde Orie vive fortes emoções e transita para além da infância. Página a página este processo se dá serena e lentamente.


O projeto gráfico acompanha o ritmo primoroso do livro. A cor vermelha da capa é rebatida pelo preto das guardas que preparam o olhar do leitor para o tom ocre terroso que toma conta de todas as páginas. Economia e equilíbrio são talvez as melhores palavras para definir esta pequena obra-prima que consegue transmitir com pouco a intensidade dos sentimentos e das descobertas da personagem.
Página a página, acompanhamos as lembranças de Orie: a viagem de barco, a descoberta dos peixes, os cuidados da mãe, a extensão do horizonte, a cidade e suas atrações, o retorno e o precioso e delicioso presente amarrado em um lenço lançado do alto por uma bela estranha.
E o passar do tempo, o bebê que nasce, a mudança de papéis. Um retrato da infância delicado e a valorização da memória marcante.

Autor e ilustrador: Lúcia Hiratsuka
Nº de páginas: 48
Editora: Pequena Zahar
Ano de publicação: 2014
Prêmios
Honra FNLIJ-IBBY 2016
Prêmio Crescer 2015
Prêmio Jabuti 2015
Selo Altamente Recomendável – FNLIJ 2015
Destaques Emília 2015
Uma resposta
Amo esse livro e adorei a leveza poética da resenha.