O diálogo entre fotografia e literatura de Juliana Monteiro

Fotografia do livro Catálogo de Perdas

 

Juliana Monteiro Carrascoza é fotógrafa, mas também faz do texto um ofício. Carioca que vive em São Paulo, trabalha com as palavras, em salas de aula e em agências de publicidade. Como fotógrafa, publicou livros, participou de exposições coletivas e expôs seus trabalhos em revistas especializadas.

Seu interesse pela literatura e pela fotografia é latente. Nasceu da dificuldade de se comunicar, explica. “Fui uma criança muito tímida. Encontrei nos livros e nas fotografias de minha família um refúgio e uma possibilidade de conexão. Caixas e gavetas de memórias, pedaços de mim que desconhecia. Quando fiz a escolha profissional, permaneci nesse espaço de leitora”.

Fotografia do livro Aprendiz

Ao cursar linguística, apaixonou-se pela semiótica e pela possibilidade de ler não apenas as palavras, mas também o que está ao nosso redor. Desde então, tem uma vida em meio ao texto, em seus diversos planos de expressão. Para ela, a fotografia é também um texto a ser escrito pela luz de nossos dias, uma prática de reconexão. “É assim que a fotografia faz parte do meu cotidiano, do meu e de tantos outros”.

Em co-autoria com o escritor João Anzanello Carrascoza, lançou o livro Catálogo de Perdas, selecionado pelo Festival ZUM, finalista do prêmio Jabuti e vencedor do prêmio FNLIJ nas categorias leitor adulto e projeto editorial. Publicou também os livros Pandora e Aprendiz.

Em março, Juliana abre o semestre de cursos da Emília com a Oficina do olhar: fotografia em verso e prosa. Em quatro encontros, a proposta é pensar a fotografia a partir de textos literários; apresentar, com uma abordagem dialógica, livros de autores clássicos e contemporâneos de fotografia e de literatura.

A Emília entrevistou Juliana, por e-mail. Você pode acompanhar a conversa a seguir:

Revista Emília Seu trabalho parece manter viva a investigação do diálogo entre a fotografia e a literatura. Como vê a relação entre esses dois elementos?

Juliana Monteiro Carrascoza O que fazemos sempre dialoga com quem somos, mesmo que de forma inconsciente. Dessa maneira, é natural que essa relação apareça na minha obra.

Tenho interesse por esse trânsito entre literatura e fotografia, pelos sentimentos que essas duas linguagens despertam. Busco a imagem cercada de memória. A passagem do tempo. A origem e a transitoriedade da vida. Os laços cotidianos que preenchem os nossos espaços vazios.

Em Catálogo de perdas, livro composto por 40 fotos minhas e por 40 textos do João [Carrascoza], essas questões podem ser observadas.

Fotografia do livro Catálogo de Perdas

RE Vamos falar do curso que vai ministrar na Emília. Poderia contar qual é a proposta da Oficina do olhar: fotografia em verso e prosa?

JMC  A partir de eixos temáticos, faremos leituras transversais. Percorreremos autores da literatura e da fotografia que se debruçaram sobre os assuntos que abordaremos – o olhar, olhar para si, olhar para o outro, olhar para o seu lugar no mundo. Depois de cada encontro, a partir de exercícios propostos, os participantes serão convidados a observar a maneira com que eles próprios se relacionam com esses temas. No fim do curso, cada um terá um caderno com o processo de criação do que desenvolveram. Essa é a nossa proposta.

RE Em um momento em que a imagem está tão banalizada em nosso cotidiano, a fotografia ainda pode ter um efeito humanizador?

JMC  A humanização é a matéria-prima da fotografia. Olhar para nós mesmos, para os demais, próximos ou distantes, mesmo quando o que vemos não nos agrada.

RE  Você realizou uma oficina, dentro do projeto Nascidos para ler 1O projeto Nascidos para ler, iniciativa do Instituto Brasileiro de Estudos e Apoio Comunitário (IBEAC) em parceria com o Instituto Emília e o Centro de Excelência em Primeira Infância, com apoio do Itaú Social, tem como objetivo a criação coletiva de um livro para os recém-nascidos da comunidade de Parelheiros. É inspirado no Nati per Leggere, programa italiano para a promoção da leitura desde a infância. , com a comunidade de Parelheiros. Poderia contar como foi essa experiência?

JMC  Neste projeto, mães da comunidade de Parelheiros participaram de oficinas para a criação de um livro composto por fotos e textos. Essa obra, repleta de fotografias de crianças, será um presente para os bebês que nascerem nessa região. Mais do que imagens tecnicamente apuradas, entendi que seria importante que elas criassem imagens verdadeiras. Genuínas. Poucas estavam acostumadas a fotografar, e todas precisavam se sentir confiantes para publicar suas fotos no livro. Para isso, fizemos um resgate do que é nosso. Juntas, nos encontros, e sozinhas, em casa, observamos a infância, os ancestrais, o cotidiano, o alimento, a família e o corpo. Fotografar é um exercício de presença, de estar entregue ao que se vive e ao que se apresenta diante de nossos olhos. Por isso, pedi para que elas reconhecessem, pela fotografia, seus percursos de vida para, no momento seguinte, em comunhão com seu próprio caminho, observarem as crianças que fotografariam.

Fotos da série publicada no livro Identicidade

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    O projeto Nascidos para ler, iniciativa do Instituto Brasileiro de Estudos e Apoio Comunitário (IBEAC) em parceria com o Instituto Emília e o Centro de Excelência em Primeira Infância, com apoio do Itaú Social, tem como objetivo a criação coletiva de um livro para os recém-nascidos da comunidade de Parelheiros. É inspirado no Nati per Leggere, programa italiano para a promoção da leitura desde a infância.

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  • Priscilla Brossi Gutierre

    Jornalista com experiência em gestão de projetos de comunicação. Especializada no desenvolvimento de estratégias de conteúdo editorial, incluindo planejamento, edição, curadoria e redação, para diferentes formatos e mídias. No Instituto Emília, atua no plano de relacionamento com a imprensa e edita a newsletter mensal. 


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