Ele vivia perto da minha casa, em Paris. Às vezes, eu o via de longe, na avenida Montparnasse. Ele nos deixou no ano passado e era um grande artista, Jean-Jacques Sempé. Na Grécia, para dizer que alguém partiu deste mundo, eles dizem às vezes: “ele já escreveu seu poema”.
Sempé desenhou o poema que pode ser a vida apesar da adversidade. Teve uma infância terrível, onde a violência e o álcool reinavam. Era sombria e um pouco trágica, ele teria dito. Soube resistir à desesperança em que poderia ter sucumbido e nos ensina isso, o valor de preservar dia após dia um espaço poético, mesmo que tudo pareça se opor a isso. Como aquela menininha que pula corda, rindo, no alto de um telhado, entre arranha-céus em Nova York, Tóquio ou São Paulo.
Representou essa cena com todos os tipos de variações: uma jovem bailarina, entregue à sua felicidade, também no meio do caos urbano; um homem olhando um quadro na vitrine de uma galeria, indiferente aos milhares de carros atrás dele; uma senhora que volta do mercado e senta para ler em um pequeno parque, cativada; uns músicos tocando juntos em um apartamento.
Pode ser que ele tenha testemunhado cenas semelhantes, porque elas estão ao nosso redor, basta abrir os olhos. Em qualquer caso, seus desenhos me lembram cenas às quais eu já assisti. Como aquele dia, quando criança, ouvi um grande barulho na entrada do apartamento e corri para ver o que estava acontecendo: minha mãe, ao voltar do mercado, tinha deixado cair as bolsas, cujo conteúdo estava espalhado pelo chão. Ela estava andando de quatro, no meio das frutas e dos legumes.
Sempé também representou personagens que caminham com as mãos, em uma praia, rindo e se divertindo. Ele desenhou muitas praias, margens, onde crianças construíam castelos, fortificações para se proteger das tempestades. Onde dançavam em grupo com as ondas. Onde casais apaixonados caminhavam com passos alegres, assim como Charlie Chaplin e Paulette Godard no final de Tempos Modernos, em busca de um lugar entre os guarda-sóis coloridos.
Lembro-me de outra cena na qual me senti dentro de um desenho de Sempé. Era uma noite, há alguns anos, em Medellín. Naquela cidade, que por muito tempo foi considerada uma das mais perigosas do mundo, eu estava em um carro voltando para o meu hotel. Ao redor de mim, o som ensurdecedor das buzinas, a música incessante de vallenatos, os ônibus transportando pessoas de volta para casa, amontoadas uns sobre os outros, em pé por horas. Pensava na imensa paciência que os seres humanos precisavam ter para suportar esses monstros urbanos, o trânsito, o ar que se respirava ali.
Já era de noite, íamos por uma espécie de autopista que subia e descia. E no meio dos cruzamentos, do caos, dos prédios pretos de fuligem que haviam crescido aqui e ali, de repente, em um andar alto, uma sala clara e iluminada. Nessa sala, como sombras chinesas, três bailarinos de balé, vestidos de branco, ensaiavam com gestos muito bonitos, muito lentos. Três bailarinos que suspenderam o tempo e preservaram alguns segundos de eternidade, de beleza, enquanto o mundo continuava em sua corrida louca.
Dentro de cada um de nós existem ruas onde corremos, avenidas sem alma, barulho, mas também há espaços tranquilos, poéticos. Devemos proteger esses espaços a todo custo, multiplicá-los, pois todos temos o direito, desde a mais tenra idade, ao “essencial inútil”, ao devaneio, aos jardins, às margens que Tagore evoca em A Oferenda Lírica:
[…] À margem dos mundos sem fim, uns mennos e meninas se reúnem com danças e gritos. Elas constroem suas casas com areia; brincam com conchas vazias. Com folhas murchas, equipam seus barcos e os lançam, sorrindo, ao mar profundo. As crianças brincam suas brincadeiras nas margens dos mundos…
Para abrir esses espaços em nós e entre nós, podemos seguir vários caminhos, os mesmos que Sempé representou tantas vezes: a brincadeira, o amor, a arte em suas múltiplas formas, a literatura oral ou escrita, as ciências quando são poéticas, os passeios, a delicada atenção dedicada ao que chamamos de natureza, a observação divertida do teatro cotidiano dos seres humanos…
Daniel Goldin me apresentou a um artista belga que vive no México, Francis Alÿs. Não sei se Alÿs conhecia o desenho de Sempé que representa a menina pulando corda (é provável), mas ele filmou exatamente a mesma cena em Hong Kong, uma das cidades mais densamente povoadas do mundo, com três meninas pulando corda e rindo em um telhado. Alternadamente, elas executam proezas individuais e depois se coordenam em um mesmo ritmo, com muita alegria e cumplicidade. Alÿs também filmou crianças iraquianas jogando futebol com uma bola imaginária, um garoto congolês que, como um Sísifo moderno, empurra um pneu velho morro acima, entra dentro dele e desce rolando pela colina; dezenas de jogos de meninos e meninas que inventam coisas em contextos muitas vezes sórdidos, em grupo e com objetos insignificantes: pedaços de espelhos quebrados, cadeiras velhas, um cordão, conchas. E em algum momento eles começam a cantar.
Não apenas as crianças preservam esses espaços contra vento e maré. No dia em que escrevo estas linhas, leio nos jornais que na China, nas grandes empresas de tecnologia, um número cada vez maior de jovens estão abandonando empregos que os obrigavam a viver uma vida sem descanso, que já não fazia sentido (Le Monde, 26/08/2023). E não apenas abandonam, mas quando o fazem, organizam festas. Enquanto nas ruas e nas empresas há bandeiras exaltando a rentabilidade e convocando as pessoas a “arregaçarem as mangas”, eles cantam em coro “Feliz renúncia!”. Isso é um fenômeno semelhante ao observado nos Estados Unidos e na Europa, iniciado antes da pandemia e reforçado por ela.
“Antes, eu comprava bolsas de luxo para compensar o estresse do trabalho. Mas não preciso de tanto para viver“, dizia uma mulher jovem. Nas redes sociais, compartilham conselhos de austeridade: sair das grandes cidades onde o custo de moradia se tornou proibitivo, pegar trens noturnos, cozinhar em casa… Brincam com seus filhos, encontram seus amigos, viajam, tiram fotos, cuidam de suas plantas.
Atualmente vivemos em um mundo muito brutal, muito decomposto, mas a vida resiste. Se por momentos nos esquecemos disso, para recuperar o ânimo e o afeto, há um remédio: abrir um livro de Sempé.
Tradução: Dolores Prades
* Texto originalmente publicado na Revista Jardín LAC. Disponível em: <https://www.jardinlac.org/post/el-arte-de-preservar-un-espacio-po%C3%A9tico-semp%C3%A9>. Acesso em: 12 de dez. 2023.