O encontro foi na sala “Notturno”, um nome que contrastava com o brilho dos convidados. Todos eles ilustradores latino americanos que, pela primeira vez nos 55 anos da Feira Internacional do Livro Infantil de Bolonha (BCBF), puderam conversar em sua própria língua, não somente a das imagens, mas também em castelhano. “Uma mesa em nosso idioma tem um significado muito importante e reflete o peso adquirido pela ilustração em nosso Continente, assim como a presença dos selecionados do Catálogo deste ano, ou o Premio Andersen ganho faz alguns anos pelo ilustrador brasileiro Roger Mello”, explicava ao abrir a mesa Dolores Prades, editora da Revista Emília e do Laboratório Emília de Formação. E sobre tudo, responsável pela convocatória desta inédita reunião. “Somos como uma equipe de futebol que está aqui para mostrar a ilustração latino americana”, comentou em tom divertido, despertando a risada cumplice de um público significativo que não precisou de tradução na hora de escutar os oito convocados na mesa redonda Identidade e diversidade da Ilustração Latino americana. Estavam presentes na mesa os argentinos Diego Bianki e Pablo Bernasconi; os peruanos Issa Watanabe e Enrique Kike Mendoza Rojas; os uruguaios Cecilia Bertolini e Dani Scharf; a brasileira Stela Barbieri e a chilena Sol Undurraga.
Para alguns deles, esta foi sua primeira experiência em Bolonha e o fizeram com uma entrada triunfal, como terem sido selecionados para o Catálogo de Ilustradores que reúne os melhores da amostra em 2018. É o caso da peruana Issa Watanabe, do uruguaio Dani Scharf e da brasileira Stela Barbieri. Chegar até aqui sempre é um trabalho duro. Nem todos esses países tem um stand nacional, mas mesmo assim seus ilustradores estão presentes. Para isso, agitadores culturais como Kike Mendonza, o fundador da iniciativa Imaquinario no Peru, dão um forte impulso a ilustração. “Sou um acossador de ilustradores, e foi a insistência em Imaquinario, o que possibilitou melhorar a imagem da ilustração como elemento narrativo em meu pais”, dizia. “No Peru, tem somente uma editora que faz livros ilustrados. Temos infinitas dificuldades para nos desenvolver já que as politicas publicas e o Estado em lugar de nos apoiar, fazem com que tudo retroceda”, explica Issa Watanabe com tristeza sobre o poder publico de seu pais que atravessa hoje momentos de grande instabilidade. Diferente do caso do Uruguai, onde a representante governamental do Ministério da Educação e Cultura Cecilia Bertolini dava conta do apoio que deram para a promoção da ilustração: “Queremos internacionalizar a ilustração uruguaia. Os ilustradores, diferentemente de outros artistas, tem uma entrada muito mais ampla na comunidade”. Para o argentino Diego Bianki, o ter chegado até a BCBF “é um espaço conquistado e queremos deixar uma referencia e despertar a curiosidade. Bolonha nos escutou e essa mesa é uma porta voz que nos permite mostrar o que fazemos.”
Olhares as vezes contrários que davam conta de países que, unidos por uma mesma língua, representam realidades muito distintas. “O papel do Estado é fundamental até certo ponto – ponderava o vizinho Pablo Bernasconi. O momento mais relevante da ilustração argentina foi quando o Estado caiu, no começo dos anos 1990, e todos tivemos que sair de lá aterrorizados” lembrava com não pouca ironia.
Identidade latino americana?
“Isso de falar de uma identidade comum da uma impressão caricatural da América Latina, como de colônia europeia… O fato de não terem olhado para nos antes, não quer dizer que não existíssemos. O que devemos buscar é a honestidade. A sinceridade de saber que o que se faz com honestidade intelectual é uma das formas mais saudáveis para que se consolide uma identidade cultural”, indicava o ilustrador da Patagônia argentina Pablo Bernasconi. E de maneira mais critica, seu compatriota Diego Bianki dizia: “É difícil buscar uma identidade latino americana… talvez a encontremos nos povos originários. Afinal, por que temos que ter uma identidade latino americana? Somos filhos de europeus sem memória, e não temos a obrigação de dar conta de uma identidade única”. Para Kike Mendoza, por outro lado, existem sim certos elementos que permitem falar e rebater essa ideia. “Nós nos reconhecemos nas imagens por nosso passado em comum pré-hispânico. Creio que há uma bagagem cultural comum, creio que temos uma iconografia que nos identifica”.
Uma identidade latino americana que nesses “tempos líquidos” adquire diferentes formas, com diversas influencias. É o caso de Dani Scharf, ilustrador uruguaio, cujo trabalho como diretor de arte em agencias de publicidade, se reflete em sua proposta criativa, mas não é essa sua única influência no seu oficio de ilustrador. “Minha segunda casa é o México e me sinto muito influenciado por essa cultura”, confessava. “Eu me declaro argenguaio”, atestava Bianki. “Eu sou uma pessoa. Sou mulher. Sou latino americana, as vezes, esportista. Sou mãe. Sou imigrante”, descrevia a chilena Sol Undurraga, que nessa tarde recebia o Prêmio Opera Prima, um dos mais importantes que entrega a BCBF. A destacada artista está enraizada na Alemanha, e caracterizava seu Chile, como uma “maravilhosa geografia com os desertos mais secos do planeta e praias onde se vê o raiar do sol através das montanhas e o por do sol no mar“, foi isso que a levo a criar o livro ganhador chamado A praia, editado pela editora francesa L’Agrume.
A debutante ilustradora brasileira Stela Barbieri é um caso especial. Suas primeiras ilustrações, depois de ter escrito mais de vinte livros, a trouxeram a Bolonha, para sua surpresa, como umas das selecionadas do Catálogo 2018. “Sigo um caminho errante… Minhas histórias são um diálogo com as crianças. São como filmes na minha cabeça, e o desenho é um esqueleto dos meus pensamentos”, confessava citando a artista Edith Derdyk.
O que mais se respirava nessa sala, onde o espanhol teve sua estreia na BCBF 2018, era a alegria de um grupo de latino americanos que teve a oportunidade de se encontrar e conhecer os trabalhos uns dos outros. Como resumiu o ilustrador argentino Dani Scharf: “Disfruto ilustrar e minha criança interior está muito orgulhosa e contente de ter escolhido esse caminho que me permitiu estar com vocês hoje”.
Tradução Tais da Silva Prades Villela
Imagem: Ilustração de Diego Bianki.