BOAMISTURA

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Galeria Emília

Ampliar referências, educar o olhar, são vias imprescindíveis para formar bons críticos com sensibilidade estética para escolher e se situar no tão diverso mercado do livro ilustrado. Mas, não apenas, a educação do olhar permeia todos os sentidos e permite apurar as nossas escolhas, aprimorar o nosso gosto.

O cuidado e apuro estéticos não são novidades na Emília, reconhecida também por isso. Os Cadernos foram a primeira vitrine que possibilitou mostrar os trabalhos incríveis de ilustradores como Mariana Zanetti, Anna Cunha, Veridiana Scarpelli, Roger Ycaza, María Luque, Elisa Carareto, Bárbara Quintino, Luci Sacoleira e Angelo AbuMuitos deles presentes em peças de divulgação e detalhes nas diferentes seções do Site. 

Este espaço se abre para receber artistas que passam a ilustrar nossas principais seções assim como os ilustradores de cada novo Caderno. O propósito é apresentar, ao nosso publico leitor, alguns nomes cujos trabalhos consideramos importantes de serem conhecidos. 

Abrimos 2023 com o trabalho do grupo BOAMISTURA, um trabalho artístico coletivo potente que tem como ponto de partida e de chegada o compromisso com a comunidade. Arte de rua que, pela sua qualidade artística e significado, transcende e leva as “vielas”, as margens, para o centro do fazer artístico. Original, “rompedor”, o coletivo BOAMISTURA aponta para novos caminhos não apenas no território da arte, como também no fazer coletivo e comunitário.

Aproveitamos para agradecer a colaboração e confiança destes grandes artistas que tanto contribuíram para nossa trajetória de qualidade e beleza.

Os editores

BOAMISTURA no Brasil
(por enquanto…)

“Dia 21 de dezembro de 2011”. Não me esqueço da data em que recebi o telefonema. Confesso que, por outro lado, não consigo me lembrar se foi o Javi, o Juan, o Paulo, o Ruben ou o Pablo que estava do outro lado da linha e, também, do outro lado do Atlântico.

“Seguinte Jaime, somos um coletivo de arte urbana aqui da Espanha e ontem encontramos a curadora – lembra da Maria que você conheceu em São Paulo? – pois é, ela nos disse para te procurar…”

Esses cinco artistas que batizaram o seu grupo com um nome em português sim, é BOAMISTURA mesmo, escolheram nossa língua para declarar a admiração deles pelo grafite brasileiro. A cena das artes urbanas do Brasil foi uma das primeiras e principais inspirações desses meninos. Hoje, são eles os inspiradores das novas gerações do circuito internacional da arte “callejera”.

Preciso contar afinal o motivo do telefonema. Imaginem que a Embaixada Espanhola de Brasília tinha cinco passagens disponíveis para que eles viessem ao Brasil. Era dia 21 de dezembro, lembram? A questão é que para efetivar as passagens era necessário que alguma organização cultural brasileira convidasse o grupo formalmente.  Aparentemente nada mais tranquilo. Mas só aparentemente, porque o prazo que a Embaixada tinha exigia que as passagens fizessem parte da verba de 2011, o prazo era até a manhã do dia 23! Tínhamos menos de dois dias para consegui-las…

Para não cansar quem me acompanha nestas linhas posso dizer que com algumas estripulias, telefonemas, cartas e corre-corre conseguimos as benditas passagens. Olé!

                                                                                                                   

Assim foi que nos conhecemos e no começo de janeiro de 2012 estávamos juntos em meu ateliê aqui em São Paulo. Com o apoio da Virada Sustentável – foi através dela que conseguimos formalizar o convite junto à embaixada – organizamos o encontro do grupo com algumas lideranças das quebradas.

Vale lembrar que nesse momento não só em São Paulo como no Brasil, vivíamos uma efervescência cultural animada pela dinâmica dos governos democráticos e viabilizada pelas políticas públicas dos Pontos de Cultura que irrigavam milhares de iniciativas periféricas. Graças a esse movimento muitas lideranças jovens estavam atuantes nos seus bairros e nas suas comunidades.

O encontro promovido no ateliê abriu as portas da família Reis-Gonçalves que os acolheu na sua casa no Jardim Guarani na Brasilândia, zona norte de São Paulo. Foi ali que planejaram o projeto “Luz nas Vielas”, encantados que ficaram com essas vielas que costuram passagens criando acessos e atalhos surpreendentes. Passagens desenhadas pela aglomeração dos sobrados germinados que obedecem a uma lógica própria das comunidades.

A simplicidade do projeto de certa forma inaugura estratégias que ao longo desses anos têm se afirmado na linguagem do grupo. O uso de palavras e da técnica da anamorfosis – que basicamente consiste na construção de uma imagem em pedaços distorcidos que a partir de um determinado ponto de observação se reúnem e organizam dando a entender a imagem – criou um acontecimento plástico de uma potência poucas vezes vista na arte urbana mundial, me atrevo a dizer.

Além dos vídeos e fotos imperdíveis que estão nas plataformas a repercussão do projeto na imprensa foi mundial. Entre os jornais mais importantes o New York Times foi um dos muitos a falar de Luz nas Vielas. A partir daí a trajetória de BOAMISTURA só cresceu e se consolidou no circuito internacional.

Nesse momento que escrevo eles são destaque na Feira ARCO, uma das feiras mais importantes do circuito das artes visuais, com um projeto multimídia muito atrevido.

Quando me pediram para escrever sobre eles achei que poderia contribuir com essa pequena crônica até agora inédita, da qual participei. Tenho a impressão que além do ineditismo tem um tempero especial já que divide algo muito pessoal.

Como o universo conspirou para que eu fosse uma peça nesse tabuleiro o laço de fraternidade e afeto que se criou entre nós supera a amizade. Como eles dizem: somos família.

Cabe registrar que eles voltaram rapidamente em 2017 trazidos pelo SESC/SP para uma pintura na unidade do SESC Osasco. Nessa oportunidade eles puderam rever as vielas na Brasilândia e fizeram mais duas novas pinturas somando as palavras MAGIA e POESIA à BELEZA, AMOR, ORGULHO, FIRMEZA e DOÇURA feitas em 2012.

Espero que este pequeno depoimento provoque a curiosidade e estimule a pesquisa pela trajetória e imagens desses artistas tão especiais e necessários.

O lema deles, que tem sido a estrela guia do grupo ao longo desses anos, diz tudo sobre a qualidade humana que os une:

“Cinco cabezas, diez manos, un solo corazón.”

JP

27 de fevereiro de 2023, SP

E para conhecer mais o trabalho de BOAMISTURA, aqui vão algumas imagens.

LUZ NAS VIELAS (São Paulo)
SOMOS LUZ (Panamá)
VIDA (Bogotá)
SOY PORQUE SOMOS (CDMX)
NIERIKA (Guadalajara)
UNION (Esp, Chile, RD, PR, Col, MX)
SOY RAÍZ (Quito)
UTOPIE (Halle)
TRILLENDE-LENTE (Heerlen)

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  • Jaime Prades

    De mãe brasileira e pai uruguaio, Jaime Prades nasceu na Espanha em 1958. No começo de 1971 a família retorna ao Brasil e a partir de 1975 reside em São Paulo. Nos anos 80 integra o Tupinãodá grupo de artistas pioneiro em instalações e pinturas nos espaços urbanos. A partir dos anos 90 dedica-se quase exclusivamente à arte. Suas pesquisas transitam entre os espaços públicos e privados, entre a rua e o ateliê. Realiza exposições em galerias, centros culturais, museus e instalações em espaços de convivência. Tem trajetória e formação originais. Aprende a fazer fazendo, frequentando ateliês, experimentando técnicas e realizando cursos livres. Atualmente dedica-se à pintura, escultura e ao seu projeto Natureza Humana de instalações. A partir de 2019 é representado pela galeria “Andrearehder arte contemporânea” que passa a divulgar as suas obras nas feiras: SP arte e ArPa do circuito nacional. Para mais informações consulte www.jaimeprades.art.br e @pradesartist.

    jaimeprades@emilia.org.br

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