Apresentação1
Adolfo Córdova
Quantas vidas custaram para que a Corte Internacional de Justiça (CIJ) qualificasse como urgente deter a ofensiva militar do Estado de Israel sobre Gaza e exigisse oferecer acesso a especialistas para investigar as denúncias de genocídio? Quantas vidas custou para que o Tribunal Penal Internacional (TPI) solicitasse emitir ordens de prisão contra Netanyahu, Yoav Gallant e os líderes terroristas do Hamas por crimes de guerra e contra a humanidade? Quantas vidas custou para que a opinião pública global condenasse os crimes e as pessoas protestassem massivamente nas ruas, festivais e universidades? Quantas vidas custou para que três países europeus que ainda não reconheciam a Palestina como Estado o fizessem, ou para que o Estado Mexicano se juntasse à denúncia da África do Sul e alertasse sobre uma “catástrofe humanitária”?
36 mil. Mais de 36 mil pessoas foram assassinadas, das quais quase a metade são meninas e meninos (15 mil). Mais de 86 mil feridos e cerca de 10 mil crianças desaparecidas, de acordo com os números de 28 de maio da Al Jazeera, em um território demolido por um Estado, apoiado por tantos outros, como os Estados Unidos, que parecem ter esquecido que sofreram horrores semelhantes.
Foto: Mahmoud Issa/Reuters
Quão distante parece o pronunciamento de pesquisadores e ativistas pela defesa da infância na Palestina, quando já achávamos atroz que: “Aos 20 dias de conflito, mais de 3.000 meninos e meninas foram assassinados, incluindo menores de dois anos, sob o bombardeio indiscriminado contra civis executado por Israel, ação registrada por diversos organismos internacionais de direitos humanos como crimes de guerra.”
Com toda a pressão, e com todas essas mortes, que também nunca esqueceremos, o Estado de Israel não se detém.
Em Vida Precária: Os poderes do luto e a violência (Autentic), publicado há 20 anos, Judith Butler já oferecia uma explicação lúcida para essa violência impune exercida sobre as vidas de certas pessoas ou grupos sociais que se encontram em uma situação de vulnerabilidade extrema, constantemente ameaçadas ou expostas a formas de violência estrutural, social ou física. Para Butler, a vida precária implica uma falta de reconhecimento e proteção por parte das estruturas políticas e sociais, o que deixa esses indivíduos em uma posição de insegurança e risco constante.
“Para alguns, o luto só pode ser resolvido por meio da violência, mas parece claro que a violência só conduz a mais perdas, e que a impossibilidade de perceber os direitos das vidas precárias só leva repetidamente à amarga dor de um ódio político infinito.”
Seguindo Butler, as vidas precárias palestinas contam menos (será por isso que tantas foram necessárias para que a opinião pública levantasse sua voz?):
“A esfera pública se constitui em parte pelo que pode aparecer, e a regulação da esfera de aparição é um modo de estabelecer o que será considerado como realidade e o que não será. Também é uma forma de estabelecer qual vida pode ser marcada como vida, e qual morte contará como morte”.
Nessa mesma linha, Mikaelah Drullard, escritora e artista, denuncia: “O que acontece na Palestina, no Congo, no Sudão e no Haiti diante dos olhos do mundo se sustenta sobre a premissa racista e colonial de que ‘não há nenhum humano envolvido’. E continua, neste artigo urgente:
“Há mais de um genocídio em curso e, apesar disso, o mundo continua funcionando. O que precisou acontecer com nossos corpos para assimilarmos o processo de normalização do genocídio como forma de governança de geografias do terceiro mundo? Como ainda acreditamos no discurso dos direitos humanos, quando estes não são aplicáveis a todas as pessoas? Que tipo de ser humano é necessário ser para ter a garantia desses direitos? Onde é preciso nascer, de que cor, de que classe, com qual identidade de gênero, orientação sexual, etnicidade, raça, religião e cultura para ter acesso a eles?”
Continuo costurando, para chegar ao texto de Áurea Xaydé Esquivel Flores, que questiona tanto silêncio cúmplice, que reconhece o protesto histórico dos jovens, que nos mostra as bibliotecas como espaços de vida em meio a tanta morte.
“O que significa estar rodeada de morte?”, nos questiona a pesquisadora e teórica crítica Giulia Palladini. “Nem a escrita nem as artes podem ser apolíticas em meio ao genocídio israelense contra o povo palestino, perpetuado por relações colonialistas e imperialistas reconfiguradas”.
Em seu artigo Da morte nos olhos, dos gestos contra a ausência, Palladini aponta como a continuidade/ressurgimento do poder conservador, de «genealogia fascista», ou os «legados coloniais duradouros» em nossa sociedade indicam «múltiplas formas de apagamento histórico, que justificam modos de dominação violenta sempre por vir». E mais adiante:
“Diante do genocídio, a escrita não pode continuar sendo a mesma, nem o pensamento. Este texto, então, não pode ser outra coisa senão uma câmara de ressonância: estar atento ao que as escolas não ensinam às crianças, ao que os jornais não estão contando, ao que os algoritmos estão aprendendo a ocultar, ao que os cenários proeminentes da cena artística global — como a Bienal de Veneza — tentam enterrar desajeitadamente: que a violência fascista continua mudando de forma, mas persiste e é sustentada pelo sistema imperialista que uma parte do mundo continua impondo sobre outra.”
E então: a presença performática dos jovens nos acampamentos como afirmação de que «ser estudantes não equivale a ser consumidores de conhecimento, mas cidadãos de um espaço comum de produção e reprodução de mundos». Essas protestas, escreve Palladini, revivem a memória coletiva das lutas estudantis, são «presenças para inventar a cada dia novas formas de resistência contra o fascismo da ausência».
Também o são as bibliotecas palestinas.
Neste texto, Áurea Xaydé Esquivel Flores, convidada recorrente no blog e querida amiga, nos demonstra isso. As histórias/refúgio do Centro Cultural Yafa, Centro Lajee e do Projeto Bibliotecário Seraj na Palestina são presenças que resistem à morte. Lembraram-me o caso da biblioteca subterrânea e secreta da Síria (aqui você pode ler o artigo de Mike Thomson, que depois se transformou em um livro): «Os livros nos ajudam a planejar a vida quando Assad se for. Queremos ser uma nação livre. Esperamos que, através da leitura, possamos conseguir isso», dizia Omar Abu Anas, um ex-estudante de engenharia e usuário.
Áurea começa com uma lista das 12 bibliotecas destruídas nos últimos oito meses. Com elas, sabemos, estão as escolas e universidades, museus e parques, e a memória de outros governos autoritários e fascistas que queimaram livros e destruíram bibliotecas, desde a Biblioteca de Alexandria até o Centro Editor da América Latina na Argentina.
Na segunda parte de sua reflexão, Áurea revela uma conexão pouco conhecida entre Roald Dahl e a Palestina e analisa criticamente essa dicotomia em que um jovem é reconhecido no discurso como um projeto de futuro, como potência, e, ao mesmo tempo, um projeto fracassado, silenciado, sem potência. Contudo, mais uma vez, nos lembra Áurea, os jovens despertaram a indignação global com seus protestos.2
Muito obrigada a Áurea por este artigo tão honesto, bem documentado e corajoso, por continuar gritando: Alto ao Genocídio! Do rio ao mar, Palestina livre!
Adolfo Córdova
Clara Leon para Flyers for Falastin.
Do rio ao mar: bibliotecas palestinas
Oxalá.
‘Oxalá’ é uma palavra que usamos o tempo todo para expressar desejo ou esperança, como se fosse uma súplica.
‘Oxalá’ é um dos 4 mil arabismos que temos na língua espanhola e portuguesa e vem da expressão wa šá lláh ou aw šá lláh, dependendo de a quem você perguntar, e significa “se Deus quiser” ou “Deus queira que…”.
Oxalá pudéssemos proteger as crianças e os jovens do sofrimento e do terror.
Oxalá pudéssemos semear bibliotecas públicas, universitárias e comunitárias em todos os lugares e protegê-las da violência.
Oxalá eu pudesse escrever a partir da alegria e não do desespero.
Mas isso não é possível. A história se desenvolveu de tal forma que, hoje em dia, somos testemunhas (ou até cúmplices) de um conjunto de catástrofes que não se via de forma semelhante há cerca de 85 anos.
O que pode fazer um bibliotecário ou uma bibliotecária diante do que está acontecendo na Palestina, diante de tanta crueldade e destruição? Tenho pensado muito sobre isso nos últimos 225 dias e contando; por enquanto, cheguei à conclusão de que a única coisa que posso fazer é o que sempre faço: falar de bibliotecas, livros e jovens.
Imagem de arquivo de Seraj Library Project. Cortesía de Laurie Salameh.
Primeira parte: Bibliotecas palestinas
Só quero morrer na minha terra,
que me enterrem nela,
fundir-me e desvanecer-me em sua fertilidade
para ressuscitar sendo grama em minha terra,
ressuscitar sendo flor
que uma criança crescida
em meu país desfolhe.
Só quero estar no seio de minha pátria
sendo terra,
grama ou
flor.
Fadwa Tuqán, “Só quero estar em seu seio”.
Antes que outra coisa aconteça, vamos dar uma olhada na situação atual das bibliotecas na Faixa de Gaza.
Graças ao trabalho minucioso de iniciativas voluntárias como “Bibliotecários e Arquivistas com a Palestina” (LAP, fundada em 2013), podemos ter uma ideia real do que ocorreu em apenas quatro meses e meio, pelo menos. Seu relatório Danos israelenses a arquivos, bibliotecas e museus em Gaza, outubro de 2023 a janeiro de 2024 (“Israeli Damage to Archives, Libraries, and Museums in Gaza, October 2023–January 2024”) nos apresenta uma extensa lista de instituições bibliotecárias que foram danificadas, saqueadas ou completamente destruídas, junto com as datas e fontes.
De acordo com o relatório, em apenas quatro meses, o exército israelense atacou dois grandes arquivos ou coleções históricas, onze bibliotecas públicas, quatro bibliotecas universitárias, dez museus e matou seis trabalhadores da informação junto com suas famílias.
Embora os detalhes possam ser conhecidos diretamente no relatório, vale a pena recuperar as informações relacionadas às bibliotecas públicas. Quais bibliotecas foram destruídas?
- Biblioteca Ataa (Biblioteca IBBY de “Crianças em Crise”, Beit Hanoun). Já havia sido devastada pelos bombardeios em 2014 e sua destruição total foi relatada em outubro de 2023, via comunicação pessoal com a filial palestina da IBBY.
- Biblioteca Diana Tamari Sabbagh do Centro Cultural Rashad al-Shawa (Al-Rimal, Cidade de Gaza). Foi atacada em 25 de novembro de 2023 e os bombardeios destruíram centenas de milhares de livros. O edifício se tornou um refúgio para centenas de palestinos deslocados.
- Biblioteca Edward Said (Beit Lahia). A data do ataque é desconhecida, mas foi relatada via comunicação pessoal com a Aliança de Crianças do Oriente Médio.
- Biblioteca Municipal de Gaza. O prédio foi incendiado, causando danos consideráveis. O incidente foi relatado em 27 de dezembro de 2023, mas a data do ataque é desconhecida.
- Livraria e Biblioteca Samir Mansour (Cidade de Gaza). Sofreu danos consideráveis em 10 de outubro de 2023.
- Biblioteca e editora Al-Kalima (Sheikh Radwan). O ataque ocorreu em 19 de fevereiro de 2024.
- Biblioteca Enaim. Foi relatada em 6 de dezembro de 2023, mas a data exata de sua destruição é desconhecida.
- Instituto de Desenvolvimento Educacional Kana’an (Al-Rimal, Cidade de Gaza), incluindo sua biblioteca comunitária, a Biblioteca Lubbud, a Biblioteca Al-Nahda e a Biblioteca Al-Shorouq Al-Daem. Todas foram relatadas em 6 de dezembro de 2023, mas a data exata de sua destruição é desconhecida.
- Biblioteca al-Shawka (Biblioteca IBBY, Rafah). Relatada sua destruição total em junho de 2024, via comunicado da IBBY Internacional.
Qual é o valor estratégico de transformar bibliotecas e museus em alvos militares? Os bibliotecários deveriam saber isso melhor do que ninguém; afinal, comemoramos o Dia Internacional das Bibliotecas todo 24 de outubro3.
Diante desse cenário brutal, por coincidência ou destino, tive a oportunidade de dar visibilidade ao trabalho de meus colegas palestinos em vários fóruns internacionais de grande prestígio. Com o apoio e incentivo de autores, mediadores e promotores de leitura mexicanos, aproveitei as redes criadas pela LAP e entrei em contato com as pessoas responsáveis por três projetos culturais e bibliotecários extraordinários (que me lembram tantas iniciativas latino-americanas) para saber mais sobre seu trabalho e divulgá-lo a qualquer pessoa de língua espanhola disposta a ouvir, para que vejam como, em meio a tanta crueldade e destruição, a Palestina também resiste através de suas bibliotecas.
Imagem de arquivo de Seraj Library Project. Cortesia de Laurie Salameh.
Centro Cultural Yafa
(Campo de Refugiados de Balata, Nablus, também conhecido como Naplusa)
Facebook | Centro Cultural Yafa
Com uma trajetória de quase 30 anos, o Centro Cultural Yafa se consolidou como um eixo de memória e legado coletivos, a partir do qual são promovidos tanto conhecimento quanto um lugar seguro para suas comunidades mais vulneráveis, confiando no fato de que o diálogo vivo entre gerações é fundamental para um futuro mais brilhante.
Trata-se de uma organização não governamental que, formada por meio de uma iniciativa do Comitê de Defesa dos Direitos dos Refugiados em 19964, trabalha para melhorar as condições culturais e intelectuais dos palestinos, proporcionando um espaço onde eles possam desenvolver seus talentos e habilidades, a fim de promover a consciência de seus direitos a partir da educação cívica, especialmente relacionada à democracia e aos direitos humanos. Como fazem isso? Por meio de uma ampla variedade de atividades e programas projetados e ministrados por voluntários que trabalham com generosidade, amor e muita experiência profissional. A maioria das atividades é voltada para jovens e mulheres, pois, segundo a própria instituição, essa é a maneira mais provável de mudar a sociedade. No entanto, o centro também se aproxima de pessoas idosas que viveram a Nakba (a Catástrofe Palestina de 1948) e cujas experiências são uma base fundamental da memória coletiva palestina. Assim, o CCY trabalha para documentar seus testemunhos em primeira mão e preservá-los para as gerações futuras.
Imagem de arquivo do Centro Cultural Yafa.
Por outro lado, temos a biblioteca infantil — fundada em 2006 com o apoio da Fundação “Karim Rida Said” — que foi criada para servir às crianças do Campo de Refugiados de Balata e da região oriental da província de Nablus, onde se busca fortalecer as relações entre crianças e livros, pois consideram que a leitura por prazer e o amor pelos livros deveriam ser algo encorajador e familiar, sem métodos preestabelecidos.
Imagem de arquivo do Centro Cultural Yafa.
A biblioteca também trabalha para:
1) oferecer livros apropriados de várias disciplinas, atendendo às diferentes necessidades das crianças;
2) promover o conhecimento e a cultura da sociedade palestina com ênfase na preservação da herança cultural;
3) assegurar às crianças que os serviços oferecidos são gratuitos (pois são um direito delas);
4) proporcionar atividades linguísticas e oficinas para mães interessadas em discutir questões educacionais relacionadas aos seus filhos. Eles oferecem atividades relacionadas a leitura, filmes educativos, trabalhos manuais, pintura, pesquisas científicas e jogos educativos.
Também se esforçam para:
a) promover a confiança e o senso de autodescoberta das crianças, desenvolvendo habilidades para tomar boas decisões e, assim, estimular a criatividade que lhes permita superar as dificuldades da vida;
b) formar gerações capazes de continuar a causa palestina e alcançar conquistas que nutram seu povo.
Imagem de arquivo do Centro Cultural Yafa.
Ibrahim Jammal, diretor do CCY, fala com muito carinho sobre sua comunidade, mas, na maioria das vezes, a raiva e a impotência são claras em suas mensagens. Dada a minha ignorância sobre a geografia palestina, quando soube que colonos israelenses estavam incendiando casas em Duma (também em Nablus), fiquei assustada e escrevi imediatamente para saber se eles estavam bem. O Campo de Refugiados de Balata fica um pouco mais ao norte, mas é claro que também é alvo de incontáveis agressões: “Todos os dias, atacam aldeias e causam destruição”, ele me contou em inglês na última vez que nos escrevemos pelo Messenger.
Imagem de arquivo do Centro Cultural Yafa.
Centro Lajee
(Campo de Refugiados de Aida da Agência das Nações Unidas para Refugiados da Palestina no Oriente Próximo, UNRWA, Belém)
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As crianças e adolescentes são o coração dos esforços do Centro Lajee (o que é ainda mais significativo dado que a organização foi fundada por jovens), portanto, busca oferecer a oportunidade de crescer e se curar em comunidade através das artes e da cultura física. Por outro lado, destaca o compromisso de seus bibliotecários em lidar com o trauma psicológico e emocional das crianças por meio dos livros, entre outros recursos, mesmo que isso seja uma tarefa contínua.
O Centro Lajee [layi] (‘refugiado’ em árabe) foi fundado no Campo de Refugiados de Aida em abril de 2000 por 11 jovens habitantes do campo que queriam servir à sua comunidade. É um centro cultural criativo de base comunitária que trabalha com as jovens gerações enquanto continuam sua luta pelos direitos da Palestina e de seu povo. Começou como um sonho, mas seus criadores trabalharam com autêntica *sumoud* (‘fortaleza’) e o tornaram realidade. Em abril de 2001, alugaram suas primeiras instalações (uma antiga garagem de 70m²) que se tornaram sua base até 2009. Nesse mesmo ano, foi registrado no Ministério de Assuntos de ONGs da Autoridade Nacional Palestina.
Imagem de arquivo do Centro Lajee.
O objetivo principal do Centro é proporcionar às juventudes e às mulheres refugiadas oportunidades de desenvolvimento cultural, educacional e social. Seus programas são desenhados em resposta às necessidades específicas da comunidade e às habilidades de seus membros, enquanto buscam apoiar e defender os direitos de todos os palestinos. Organizam atividades culturais, sociais e artísticas com o objetivo de desenvolver a consciência social com uma perspectiva de Direitos Humanos entre jovens e mulheres, mas seu trabalho não se limita aos refugiados, pois seus projetos e atividades estão abertos a todas as pessoas palestinas da área de Belém.
Imagem de arquivo do Centro Lajee.
O centro abriu as portas de sua primeira biblioteca pública em 2000. Começou a compra tanto de livros literários (romances, poesia e contos infantis) quanto de livros informativos de reconhecimento internacional e, pouco a pouco, foi incorporando oficinas com crianças e adolescentes do campo de refugiados. Essas atividades incluem leitura em voz alta, discussões, atividades artísticas relacionadas às histórias e clubes de leitura mensais. Em geral, a biblioteca se concentra em promover o conhecimento e a cultura por meio da leitura e discussões entre crianças de várias idades, assim como discussões de obras literárias com jovens adultos (nos últimos cinco anos, a população de crianças e adolescentes participantes das oficinas educacionais e culturais já soma vários centenas).
Atualmente, o pessoal bibliotecário foi treinado pela Associação Tamer e por psicólogos profissionais para garantir o bem-estar das crianças usuárias e do pessoal da biblioteca por meio de um treinamento especial para reconhecer e trabalhar com pessoas que sofreram trauma psicológico e emocional; aprendem técnicas de alívio de estresse por meio das artes visuais, da música ou da dança/Dabka e aprendem a sistematiza-las em oficinas que ministraram para crianças residentes do campo de refugiados. No entanto, apesar de sua determinação e esforços para minimizar o trauma, as crianças e suas famílias revivem constantemente esses sofrimentos com os ataques diários ao campo de Aida.
Imagem de arquivo do Centro Lajee.
Apesar de meus e-mails costumarem a começar com saudações tímidas e preocupadas, Mejd Azzeh, o contato com o Centro Lajee, sempre me responde com um tom animado e atento ao que eu precisar. Mesmo assim, há meses vejo que em suas redes sociais compartilham eloqüentes e pontuais infográficos sobre a história das resistências palestinas, assim como notícias dolorosas sobre prisões, mortes e desaparecimentos de membros de sua comunidade. Aqui a última fala sobre
Mahmoud Mashayikh, trabalhador de Saúde Comunitária e membro da Unidade Ambiental, que foi preso na madrugada do dia 9 de maio pelo exército israelense. As pessoas que o amam por seu bom humor, generosidade e ternura temem o que possa lhe acontecer, pois sabem que a “detenção administrativa” na verdade implica torturas e humilhações indecíveis. “Ele está sempre rindo e sorrindo enquanto trabalha, por isso precisamos que o libertem”, disse Aya Darwish.
Imagem de arquivo do Centro Lajee.
Projeto Bibliotecário Seraj
(Seraj Library Project, Ramallah)
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O Projeto Bibliotecário Seraj oferece uma proposta inovadora e afetuosa que nutre a capacidade de comunidades rurais e refugiadas de terem suas próprias bibliotecas de acordo com suas necessidades particulares. Além disso, seu trabalho em torno da *hikaye* (narração oral por mulheres) — que molda sua identidade e memória nacional — busca ressignificar e valorizar outros espaços como oficinas e cozinhas abertas, além das bibliotecas, como possíveis lares da palavra falada.
Imagem de arquivo de Seraj Library Project. Cortesia de Laurie Salameh.
Seraj [sirazh] é uma organização sem fins lucrativos (501(c)3) que fornece apoio e iniciativas de desenvolvimento de bibliotecas em vilarejos rurais palestinos. Seu lema é “empoderar as comunidades palestinas, uma biblioteca de cada vez” e sua missão é participar da educação de camponeses e moradores de todas as idades e religiões por meio do desenvolvimento de programas bibliotecários acessíveis e de alta qualidade.
Seu projeto se baseia na crença de que a educação cívica é o melhor caminho para a democracia, os direitos humanos e a paz. Eles dão vida às suas bibliotecas por meio de comntações, música, arte, atividades culturais e oferecem espaços para eventos, orientações, treinamentos, aulas, ensaios e tudo o que os membros da comunidade possam imaginar. Além disso, a infraestrutura e o modelo organizacional do Seraj permitem que prestem contas publicamente com boletins periódicos e relatórios mensais e anuais, tanto de atividades quanto de relatórios financeiros.
Imagens de arquivo de Seraj Library Project. Cortesía de Laurie Salameh.
Fizeram alianças com comunidades palestinas para abrir 13 bibliotecas em comunidades rurais e campos de refugiados na Palestina; nenhuma é igual à outra e todas buscam satisfazer as necessidades e interesses das pessoas a quem servem. Como se chamam? Aqui estão, na ordem de abertura:
- Biblioteca Jifna (2007). Em aliança com a “Sociedade de Caridade das Mulheres de Jifna” (“Jifna Women Charitable Society”).
- Biblioteca Kufor Ni’ameh (2009). Em aliança com o Conselho Municipal e o “Clube de Crianças”.
- Biblioteca do Campo de Refugiados Deir Ammar (2010). Em aliança com a “Organização pela Vida” (“Life Organization”).
- Biblioteca Taybeh (2011). Em aliança com a Igreja Católica Latina de Taybeh, com o apoio principal da comunidade da Igreja Episcopal St. Luke, em Evanston.
- Biblioteca Al-Mizzra Al-Sharqiyyeh/Clyde M. Campbell (2012). Em aliança com a Prefeitura de Al-Mizra’a Al-Sharqiyyeh e seu Clube Juvenil.
- Biblioteca do Campo de Refugiados de Aida (2013). Em aliança com a Sociedade Cultural e Teatral Al-Ruwwad.
- Biblioteca Burham (2015). Em aliança com a Sociedade de Caridade Burham (liderada por mulheres).
- Biblioteca Jiftlek (2017). Criada em homenagem a Jim e Mary Eleanor Wall, em trabalho colaborativo com a aldeia de Jiftlek, “Solidariedade do Vale do Jordão” (“Jordan Valley Solidarity”) e a Organização de Mulheres Sanabel Al Reef.
- Biblioteca Abu Falah (2019). Em aliança com a comunidade de Abu Falah e o Clube Juvenil.
- Biblioteca Tubas (2019). Está perto da Biblioteca Jiftlek e ambas colaboram em diferentes programas.
- Biblioteca e Centro Cultural Birzeit (2022). Por solicitação da Prefeitura de Birzeit e em colaboração com a Organização Riwaq.
- Biblioteca e Centro de Narração Kufor ‘Aqab (2022). Sede da Academia de Narração de Seraj.
- Biblioteca Al-Jeeb (2023). Mais informações em breve!
Imagem de arquiivo de Seraj Library Project. Cortesía de Laurie Salameh.
Laurie Salameh, a diretora executiva, sempre me escreve com um tom cheio de ternura e agradecimento, pedindo que nunca deixe de falar sobre a Palestina. Depois de várias trocas de e-mails para reunir informações sobre o projeto, ela me disse: “Seu apoio e compreensão do outro lado do mundo sobre nosso trabalho e, acima de tudo, sobre a Palestina, são como uma bóia para os corações de nossa equipe e nossas comunidades.” E não pude evitar sentir um nó na garganta, pois acabava de revisar pela terceira vez seu boletim de dezembro de 2023, onde anunciou que as atividades regulares haviam sido interrompidas devido aos ataques em Cisjordânia, como era impossível entender o nível de desumanização que seu povo sofria e lembrava que a população de Belém havia cancelado o Natal e estava chamando todos os cristãos ao redor do mundo para se solidarizarem com as pessoas assassinadas e deslocadas em Gaza. O que mais poderiam fazer em uma situação como essa? O que sempre fizeram: apoiar e acolher as pessoas por meio de narrações, artes visuais e espaços seguros.
Seraj [sirazh] se escreve assim: سراج
Imagem de arquivo de Seraj Library Project. Cortesía de Laurie Salameh.
Tradução: Dolores Prades
- Texto publicado originalmente no Blog Linternas y Bosques – Literatura infantil y juvenil. https://linternasybosques.com/2024/05/31/desde-el-rio-hasta-el-mar-bibliotecas-palestinas-y-protestas-juveniles-por-aurea-xayde-esquivel-flores/ – Agradecemos imensamente a possibilidade de publicar este artigo para o publico brasileiro. ↩︎
- Esta 2a. Parte do texto será publicada em separado, na próxima atualização da Revista Emília. ↩︎
- Para pessoas que não estão familiarizadas com a data, durante a Guerra da Bósnia, em 1992, o exército sérvio avançou para destruir a Biblioteca Nacional e Universitária da Bósnia e Herzegovina, em Sarajevo. Os soldados bombardearam e queimaram milhares de livros, documentos e registros, enquanto bibliotecárias, bibliotecários e outros civis tentavam resgatá-los. ↩︎
- O Ministério da Cultura Palestino concedeu licença ao CCY em 1998, e foi o primeiro centro cultural a ser certificado na região de Nablus. Em 2000, foi certificado pelo Ministério do Interior de acordo com uma nova lei de organizações de caridade pelo Conselho Legislativo Palestino. ↩︎