Entrevistamos… David Mckee

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David McKee nasceu em Plimton, Devon, Reino Unido, em 1935. Estudou na Escola de Arte de Plimouth e depois no Howsen College of Art em Londres. Ele começou a desenhar tiras cômicas para jornais e revistas, incluindo o suplemento do Times. Ele também criou séries de desenhos animados para a BBC, como Mr. Benn, King Rollo e Elmer. Em 1964, publicou seu primeiro álbum ilustrado, Two Can Toucan, e isso marcou o início de uma produção bem-sucedida de livros ilustrados que são vendidos no mundo todo, muitos dos quais são escritos pelo próprio David. Ele é talvez um dos melhores criadores de histórias no cenário internacional de livros ilustrados. Seu grande sucesso, Elmer, vendeu mais de oito milhões de exemplares e foi traduzido para vários idiomas. David foi o candidato do Reino Unido ao Prêmio Andersen de 2022. Nos últimos anos, dedicou seu tempo à pintura e realizou exposições em galerias do Reino Unido e da França até, 8 de abril de 2022 quando faleceu. 

Esta entrevista é uma  homenagem a este que foi um dos maiores representantes do livro ilustrado contemporâneo, já um clássico indispensável.

Javier Sobrino – Como foi a sua infância? 

David Mackee –  Eu morava em uma cidade no sudoeste da Inglaterra com uma longa história, éramos cerca de cinco mil pessoas. Era o centro da região e havia um mercado semanal que atraía todas as pessoas das proximidades. A cidade tinha colinas, campos, árvores… Passei muito tempo passeando por esses caminhos. Lá, posso ser o primeiro e único homem do mundo, porque não há ninguém por perto. As histórias vêm mais facilmente à minha mente quando estou em lugares assim, onde não se ouve música nem vozes de outras pessoas. 

JS – Como se sente atualmente depois de mais de cinquenta anos de carreira como ilustrador e escritor? 

DM – Como sempre. Há coisas que quero fazer e coisas que tenho que fazer. Com a idade, há mais responsabilidades, responsabilidades com a família, amigos, com os impostos. Também outras responsabilidades, como entrevistas. É preciso encontrar um equilíbrio de alguma forma, o que nem sempre é fácil, mas nunca foi. 

JS – Qual é o livro que você se orgulha mais de todos os que publicou? 

DM – Não penso muito sobre isso. As histórias vêm, tento contá-las à minha maneira. As imagens chegam no papel e, realmente, nem parece que seja eu. Não há um único livro que me faça pular de alegria. Tento abordar questões que precisam ser discutidas em livros como Agora não, Bernardo, Tusk Tusk, Os dois monstros, Os conquistadores, Três monstros, Denver, Seis homens e nas histórias de Elmer, por exemplo. Odeio meu ursinho de pelúcia e O porquinho de Carlota são especiais para mim porque tratam de contar histórias e do livro ilustrado. 

JS – Atualmente, você publica quase exclusivamente histórias do Elmer. O elefante multicolorido se tornou o único protagonista de suas histórias? 

DM – Normalmente, faço um livro do Elmer por ano e outro livro. Sempre que o livro do Elmer valha a pena e não seja apenas mais um livro do Elmer. Provavelmente haverá menos livros porque estou pintando mais e estou mais lento – a artrite não ajuda. Tenho várias histórias que acho boas, mas talvez não consiga realizá-las todas. 

JS – Como se sente ao ser o criador de um dos personagens clássicos da história do álbum contemporâneo? 

DM – Não tenho muita consciência disso. É apenas um elefante que vive comigo, e ocasionalmente me conta uma história e me pressiona até que eu crie um conto sobre ela. 

JS – Por que você usa monstros em muitos de seus livros? 

DM – O primeiro monstro que desenhei foi o de Agora não, Bernardo. Depois, os elefantes passaram a fazer parte das minhas histórias. A imagem do monstro talvez seja mais popular e conhecida do que outros personagens. Se eu trabalhasse apenas com pessoas em vez de animais ou monstros, teria que diferenciar entre todas as raças existentes. Usar monstros é mais fácil. 

JS – Além de Elmer, quais outros de seus personagens ainda lhe parecem atuais? 

DM – Mr. Benn tem uma legião de seguidores, assim como King Rollo e Melric, o mago que perdeu sua magia, tiveram sucesso. 

JS – O mundo da ilustração mudou muito desde que você começou nesta profissão. Como você vê a situação atual? 

DM – Sou muito antiquado, e as coisas não mudaram muito para mim, o que incomoda algumas pessoas. Não tenho internet, não uso celular, nem mesmo uma máquina de escrever, e percebi que não uso relógio. As coisas nem sempre são fáceis, mas tenho uma paz que poucos dos meus amigos têm. Não precisamos usar as coisas só porque elas existem. 

JS – Que artistas o inspiraram ao longo de sua carreira?

DM – Matisse, os Fauvistas, Kandinsky, Lee, De Kooning, Rembrandt, Brueghel, a arte medieval… 

JS – Por que brinca com a diversidade de perspectivas em um mesmo desenho? 

DM – Porque quero que o livro seja algo físico, algo que precisamos girar, dar a volta para ver a imagem de frente. Essa ideia vem do cubismo (Picasso e Gris); deles é a ideia de ver as coisas de vários pontos de vista ao mesmo tempo. É muito complicado fazer as coisas assim, mas também muito interessante. Sempre busco formas de tornar uma ilustração um pouco mais interessante. 

JS – O que ainda o inspira em seu trabalho como criador de histórias? 

DM – As histórias simplesmente vêm. Acredito que o ar está cheio de histórias, da mesma forma que está cheio de programas de televisão, ou rádio, ou conversas telefônicas, etc. Você só precisa ter o receptor certo para recebê-las. Para histórias ou música, você só precisa se tornar um receptor. Muitas vezes, uma única palavra como “eco” ou uma imagem como uma sombra são a chave para fazer a história chegar. Isso ainda acontece. 

JS – O que você quer dar às crianças com suas histórias? 

DM – Quero dar-lhes livros com ideias, com pensamentos meus e de outras pessoas, mas os leitores encontram coisas por conta própria. Uso palavras e ideias que as crianças já têm dentro delas. Não gosto de deixar as coisas muito claras, prefiro criar histórias mais abertas que tenham várias interpretações e cada leitor possa encontrar a sua. 

JS – Até que ponto sua profissão ainda o surpreende, já que os personagens, os materiais ou o acaso impõem seus ditames acima de seus planos? Ainda deixa-se surpreender? 

DM – Não analiso muito. Tento fazer o que faço da melhor maneira possível. Se parece certo, então está certo. Na verdade, o que faço raramente me parece bom o suficiente. De alguma forma, sempre poderia ser melhor. 

JS – Você ainda desfruta da publicação de livros ou preferiria que sua carreira se voltasse mais para a produção de desenhos animados? 

DM – Gostei de fazer cinema… Tive a sorte de trabalhar com uma equipe muito pequena, não sou bom em trabalho em equipe. Admirei toda a equipe como pessoas e pelo trabalho que fizeram. Mas prefiro trabalhar sozinho. 

JS – Atualmente, você vive em Arles depois de muitos anos em Nice. O que o local onde vive acrescenta ao seu trabalho?

DM – Na verdade, sempre vivi na Inglaterra, tive o mesmo apartamento em Londres por muitos anos. Ao mesmo tempo, sempre tive uma segunda casa. Nice ainda é um lugar muito atraente para mim, meu filho Chuck reside lá. Passo tempo em Arles porque Bakhka, minha companheira, tem uma casa. Devido ao vírus, não viajei para Londres, é o período mais longo em que não o fiz e não gosto, sinto falta da minha família e amigos, mas não faz sentido viajar neste momento. Qualquer lugar para onde eu vá contribui para o meu trabalho.

JS – O que você sente ao percorrer as ruas por onde transitava um gênio como Vincent Van Gogh? 

DM – Não penso nisso. Além do mais, as pessoas que estão aqui agora são as que contam, como os garçons nos bares. Gosto de Arles porque é como estar em um dos meus desenhos, uma mistura de arquitetura, pequenos terraços por toda parte, tudo mal desenhado e mal colocado.

JS – Falemos do humor. 

DM – É importante porque me permite falar sobre certos temas profundos, me permite abordar questões complicadas com certa facilidade.

JS – E o medo? 

DM – O medo me assusta. Os monstros assustam as crianças e todos nós temos um monstro dentro. Quando vivemos bem, podemos dizer que o monstro está controlado, é como um ursinho; mas quando há problemas e as coisas não vão bem, então o monstro escondido aparece.

JS – O que o amor significa para você nesta fase de sua vida? 

DM – O amor é sempre amor em qualquer momento da vida. O amor dos outros, o amor do momento, o amor de ter um novo dia, o amor pelo que faço, o amor por simplesmente ser.

JS – Falemos sobre o sucesso e seu lado contrário: o fracasso. 

DM – Bem, não falo sobre sucesso e não vale a pena falar sobre fracasso. Apenas faço o que faço e deixo os outros julgarem e me julgarem se precisar.

JS – Onde você encontra a felicidade atualmente?

DM – Simplesmente sou feliz. É um pouco como a pergunta sobre o amor.

JS – Como você lida com a passagem inexorável do tempo e com o envelhecimento? 

DM – Bem, a velhice não é como eu imaginava. Pensei que simplesmente continuaria, mas talvez mais devagar, não contava com as dores e obrigações. No entanto, é interessante ver as mudanças no mundo, e este vírus vai mudar muitas coisas, não vamos voltar a um mundo exatamente como era. Considero-me sortudo em muitos aspectos, e um deles é o período em que vivi, embora provavelmente as pessoas pensem o mesmo, independentemente do período em que viveram. Estou simplesmente feliz por continuar e surpreendido pelas mudanças que parecem ocorrer com mais frequência.

JS – Qual é o papel da pintura em seu trabalho atual? 

DM – Pinto quando posso… Preciso do puro prazer de pintar em uma tela. Mostrar os quadros ou tentar vendê-los é menos importante, é ótimo quando acontece, mas desenhar e escrever é a mesma coisa, um prazer.

JS – Quais ilustradores o surpreendem atualmente? 

DM – Sinto-me culpado porque não sigo ilustradores. Fico mais impressionado com os antigos e mais ocupado fazendo o que faço. Às vezes vejo coisas que me impressionam, mas simplesmente não vejo o suficiente ou não guardo nomes, e sei que deve haver coisas fantásticas por aí.

JS – Quais quadros ou obras de arte você nunca se cansa de olhar e contemplar?

DM – A música é um bom exemplo de como podemos ouvir e redescobrir coisas. O mesmo acontece com filmes que assistimos repetidamente, bem como com a pintura, a escultura e a arquitetura. Uma vez que as coisas têm uma certa qualidade, elas estão lá para serem redescobertas, mas há tantas delas… Por onde começar a nomeá-las? Depois de um tempo, redescobri-las é fantástico. Ultimamente, não tenho ido a muitas exposições; estou assistindo mais filmes ou revendo DVDs antigos, como Laurel e Hardy em Laurel e Hardy no Oeste.

JS – Quais são seus projetos futuros? 

DM – Acabei de terminar uma tela no cavalete, estou pensando em ilustrar uma das histórias que tenho, trabalhar no roteiro de um filme, escrever para alguns amigos e, na verdade, continuar.

JS – Quando for mais velho, você se dedicará à ilustração, à pintura ou a ambas? 

DM – Gosto da ideia de “quando for mais velho” – tenho quase 86 anos. Não é a idade que eu quero ter, mas a que tenho. Quando escrevo, sou um escritor ou contador de histórias; quando pinto, sou um pintor; quando ilustro, sou um ilustrador. Felizmente, não há regras que digam que você só pode ser uma coisa. Faço um filme e sou um cineasta, e assim por diante. É divertido, e espero continuar um pouco mais.

JS – Obrigado, David, pela sua amizade e generosidade incrível. Sempre vou me lembrar da sua visita a Bielva, Cantábria, para passar alguns dias com as crianças na escola.

Entrevista originalmente publicada na Revista Peonza.

Tradução: Dolores Prades

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Autores

  • Nasceu em Astúrias, Espanha. Estudou magistério em Santander e começou a trabalhar em escolas públicas em 1984. Atualmente trabalha como professor do EF1. É escritor e pesquisador na área de literatura infantil e promoção da leitura. Foi agraciado com diversos prêmios, nacionais e internacionais.

  • David Mckee

    David McKee nasceu em Plimton, Devon, Reino Unido, em 1935. Estudou na Escola de Arte de Plimouth e depois no Howsen College of Art em Londres. Começou a desenhar tiras cômicas para jornais e revistas. Criou séries de desenhos animados para a BBC e em 1964, publicou seu primeiro álbum ilustrado, Two Can Toucan, o que marcou o início de uma produção bem-sucedida de livros ilustrados que são vendidos no mundo todo. David foi o candidato do Reino Unido ao Prêmio Andersen de 2022. Nos últimos anos, dedicou-se à pintura e realizou exposições em galerias do Reino Unido e da França até, 8 de abril de 2022 quando faleceu.

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