Um bosque à noite.
A morte coberta por um xale chega nas costas de uma grande cegonha. Elas encontram uma mala de mão. É a morte que vai atrás de um grupo de animais em procissão: um elefante de mãos dadas com um sapo, uma coelha, uma pata, um flamingo, uma girafa, um leão, um urso, um tucano, um pequeno pinguim amparado por uma marreca. Todos usam roupas, se cobrem com lenços, levam trouxas e panelas – as crianças, bonecos – e só. Olham resignados para frente, cabeças baixas – salvo as crianças: uma encara a morte, outra procura o olhar da mãe.
O ar de apreensão dos bichos toma conta da cena. Para onde vão? Parece não importar. Precisam ir e aceitam a companhia da morte. Seguem em cortejo pelo bosque escuro, improvisam um acampamento, reúnem panelas, juntam panos e corpos para espantar o frio, o medo. Apinham-se em um barco, caem na água, naufragam. A morte segue à espreita e leva a coelha. Na ausência dela, a cegonha passa a seguir o grupo e uma criança pode encontrar um arbusto de muitos nomes que simboliza fertilidade, prosperidade, fortuna: romã, romeira, milgraneira, granada. Qual sorte terão?
Essa é a narrativa de Migrantes, obra da artista peruana Issa Watanabe já publicada em dezenas de países e laureada com diversos prêmios internacionais de ilustração e literatura. O livro chega agora ao Brasil, numa parceria entre Selo Emília, Solisluna e Livros da Raposa Vermelha.
Issa recorre a muitas metáforas visuais para nos deixar sentir esse drama atemporal da fuga, da opressão das fronteiras e dos regimes: o bosque escuro, a cegonha, a caveira, as diferentes espécies animais, as roupas e suas estampas, as cores escuras e fortes, o cortejo, a travessia, o mar aberto, a praia deserta, a romã.
Migrantes é um livro de imagem, elas falam por si e também nos pedem palavras. Palavras que virão de conversas durante e após a leitura – como lágrimas, como revolta, como gestos de acolhimento e urgência de mudança, como reconhecimento e solidariedade.
Conhecemos essa história, mesmo que a distância. É a história das diásporas, dos refugiados, das expulsões e migrações humanas. Diferente dos animais, os homens não migram por natureza ou instinto. Muitos são obrigados a fugir, são perseguidos e expulsos. Imploram refúgio, asilo, exílio, vivem à margem da lei, à beira do insuportável, sem direitos nem condições.
Uma bonita edição capa dura em formato quadrado que se abre em caminho, mais do que em paisagem. Um livro que nos traz a busca, a impermanência, a transitoriedade. Ninguém pode suportar isso muito tempo. Que marcas isso deixa em quem viveu? E que marcas deixam em nós as imagens dos mortos nas praias de Lampedusa, dos corpos vagando em acampamentos sírios, da fome nos olhos fundos dos que se arriscam atravessando desertos e fronteiras da América Latina para os EUA, do norte da África para o sul da Europa, dos formigueiros humanos em fuga do Afeganistão?
Conversar sobre essa triste condição humana por meio de imagens é não deixar as perguntas fundamentais para depois – certamente as crianças as farão: por que saem pela noite adentro, por que estão tão desamparados, porque acampamentos e barcos tão precários, por que ninguém os ajuda?
História atual, crise de refugiados sírios, venezuelanos, bolivianos, mexicanos, afegãos, congoleses, haitianos, senegaleses. As nacionalidades são muitas, mas a direção da fuga é sempre a mesma: do Sul para o Norte, do Leste para o Oeste. Quem precisa se responsabilizar? Esse livro nos convoca.
Autor: Issa Watanabe
ISBN: 978-65-86539-28-8
Formato: 23 x 23 cm
N° de páginas: 32
Ano de Publicação: 2021
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