A feira de Bologna: sempre uma surpresa!

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BCBF presente

A frustação foi enorme. Foram meses de preparação e de planos para assistir à edição 2020 da Feira de Bolonha. Às vésperas, quando praticamente estava tudo pronto, o mundo parou, e com o isolamento mundial, lá se foi a ilusão de estar presente em um dos encontros de literatura infantil mais importantes do ano. Reuniões de trabalho suspensas, negócios adiados, encontros entre amigos tão esperados sem perspectiva de acontecer. Esta seria minha 16ª Feira. Quem acompanha meus textos sobre Bolonha sabe que sou uma grande entusiasta deste evento, que para mim, assim como para muitos, é a grande meca em que anualmente batemos cartão. E Bolonha é mais que uma feira, é a cidade, são os encontros. Bolonha é obrigatória!

Mas qual não foi minha surpresa ao saber que, em menos de um mês, a equipe maravilhosa do evento, sob a direção de Elena Pasoli, não deixaria o ano de 2020 descoberto, nem os editores, autores e ilustradores “órfãos”. Diante da impossibilidade de realização da Feira, nada como criar uma feira virtual que materializasse e desse visibilidade a todo o esforço realizado ao longo dos últimos 12 meses. Se isto já foi uma surpresa, mais incrível ainda foi ver os resultados desta iniciativa.

O sucesso de Bologna Children’s online

A Feira de Bolonha on-line teve lugar nos dias 4, 5, 6 e 7 de maio. E foi um sucesso. Vejamos os números: mais de 500 editores registrados nos 4 dias na plataforma Global Rights Exchange; 20 mil títulos de todo o mundo cadastrados; 240 jovens ilustradores de 47 países participaram das 24h do Marathon de Ilustradores; 2500 ilustradores de 80 países se apresentaram no muro “virtual” a eles destinado. Ao lado disto, foram anunciados os prêmios anuais e disponibilizadas oito exposições e mais de 40 eventos. A página da Feira teve 400 mil visualizações e recebeu mais de 60 mil visitantes, 75% dos quais estrangeiros.

O mercado frente à pandemia

Muito inspirador foi o debate de abertura que, com mediação de Maria Russo, discutiu como os editores estão enfrentando e reagindo à crise provocada pela pandemia. Editores dos quatro continentes expuseram suas ideias e seus planos para o futuro.


Todos os participantes da abertura

Muitos pontos importantes e em comum podem ser destacados desta conversa. Praticamente todas as editoras, depois do grande susto inicial, concentraram seus esforços em trabalhar com os novos projetos que já estavam em andamento: revisão dos catálogos com o intuito de limpar e selecionar o que realmente vale a pena manter; rever ações de promoção; reorganizar a produção. Todos foram unânimes em dizer que a grande preocupação inicial se transformou em um movimento de “arrumar a casa” e refletir sobre o que, de fato, é fundamental neste momento. Os novos lançamentos foram adiados para o segundo semestre ou diretamente para o final do ano. Neste momento, a produção está suspensa até que a vida volte a funcionar.

Como enfrentar a crise? Aprendendo ao máximo com ela. Identificando o que vale a pena e o que não vale. Isto se materializa numa redução drástica dos lançamentos, mas não apenas como estratégia pontual. Publicar realmente menos, muito menos, é consenso. Se esta crise mostrou alguma coisa, é a necessidade de se centrar naquilo que de fato tem alguma importância, algum sentido. O que é essencial e o que não é? O que é importante mesmo publicar? Livros mais humanistas, livros que falem com estes leitores que certamente terão experiências de vida diferentes das que tiveram até agora? Quem são estes jovens leitores? Como dar instrumental para estas crianças entenderem o mundo? Como todo este contexto vai influenciar os criadores?

Entre as ações interessantes referidas, me atenho, no caso da França, onde o preço único do livro cria condições comerciais muito especiais, onde as editoras estão discutindo com os livreiros ações de lançamento dos livros para quando as livrarias abrirem novamente. As formas de distribuição e comercialização on-line, vieram para ficar. Como fazer frente à Amazon e preservar os esquemas locais? No caso da Itália, os editores se juntaram para procurar entender como enfrentar a crise. Surge, como saída para o problema, uma venda de “porta em porta” de pessoas não necessariamente do mundo do livro, as quais, articuladas com as livrarias, vendem as obras.

As perguntas são muitas, as dúvidas também, mas a palavra de ordem para estes novos tempos é: editoras muito mais seletivas para catálogos com muito menos livros. Trabalhar os back lists, recuperar clássicos e trabalhá-los. Repensar e reorganizar a produção, a comercialização, a sensibilização dos leitores: tudo isto precisa ser reinventado. Foi dado um alerta: é necessário mudar para se adaptar aos novos tempos. Que tempos serão esses ninguém sabe ao certo, apenas que menos é mais e que a qualidade é essencial.

As Mostras

A primeira mostra, aberta em comemoração ao dia do livro no dia 23 de abril, foi dedicada às obras para crianças que falam sobre livros – Books to celebrate the book. O Brasil esteve representado por Anna Cunha, Patricia Auerbach, Odilon Moraes e a Brinque Book.

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No dia 4 de maio abriram, além da tradicional Mostra Anual dei Illustratori, a Mostra Beyond Sight, dedicada a livros tatéis, um projeto de acessibilidade, com ilustrações selecionadas da Mostra de Ilustradores talhadas em madeira, incríveis. Estas duas exposições ficaram on-line até dia 7 de maio, mas as outras ficarão disponíveis nos próximos meses. Se você não viu, vai lá!

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Andrea Antinori sobre o livro La grande battaglia

Houve também uma mostra dedicada à celebração da natureza, com ilustrações de Hassan Mousavi – ilustrador premiado na última Bienal de Brastislava e ilustrador da capa do Catálogo da Mostra de Bolonha 2020.

O grande homenageado este ano foi Rodari, que ganhou também uma exibição dos diferentes artistas que ilustraram as suas obras. Se tudo der certo, esta exposição virá para o Brasil em novembro, com apoio do Instituto de Cultura Italiana e da Feira de Bolonha.


Ilustração Anna Laura Cantone


Ilustração Beatrice Alemanha


Ilustração Olimpia Zagnolli

Outra mostra interessantíssima foi a The Children-Spectators – Early childhood and performing arts 1A Feira do Livro Infantil de Bolonha é parceira do projeto “Mapping – Um mapa sobre a estética das artes do espetáculo para os primeiros anos”, uma pesquisa artística apoiada pelo Programa Europeu Criativo, dedicada à relação entre a primeira infância (crianças de 0 até 6 anos) e as artes cênicas (teatro, dança, música, circo etc.). O projeto envolve 18 parceiros de 17 países, incluindo La Baracca – Testoni Ragazzi, o Teatro Infantil da cidade de Bolonha e a Feira. Em particular, o objetivo das atividades da Feira do Livro Infantil de Bolonha é criar uma interação entre as artes cênicas e o mundo da ilustração e literatura para a primeira infância. Os primeiros passos dados pelo BCBF neste projeto são as duas edições do concurso internacional “The Children – Spectators”. As melhores ilustrações dentre as selecionadas para cada edição (uma terceira será realizada no próximo ano) serão incluídas, como uma seção especial, na grande exposição final do projeto em 2022, ao lado das ilustrações de quatro prestigiados artistas internacionais: Katsumi Komagata, Manuel Marsol, Fabian Negrin e Klaas Verplancke. Cerca de 650 ilustradores de 62 países se inscreveram no concurso deste ano, enviando uma ilustração cada – foram 38 obras selecionadas.

[Crianças espectadoras – Primeira infância e artes cênicas]:


Ilustração Natalia Bikova


Ilustração Suzanne Kaufman


Ilustração Daniela Santandrea


Ilustração Matteo Pagani


Ilustração Salvatore Ferrara


Ilustração Sonja Danowski

Os prêmios de Bologna

Elena Pasoli anunciou os vencedores do BOP Bologna Prize, enquanto para os vencedores do BRAW -(Bologna Ragazzi Award) foram organizado um programa de entrevistas com editores, autores e ilustradores mediado por Marcella Terrusi, responsável pelo Cafè deli Illustratori.

Pela primeira vez pudemos assistir alguns momentos das reuniões dos jurados das diferentes categorias, o que, sem dúvida, deve ter matado a curiosidade de todas e todos aqueles que sempre quiseram saber como funcionam essas escolhas.

Duas grandes novidades

Mas o mais importante, pensando-se na indústria do livro, foi a criação de uma plataforma de negócios – a Global Rights Exchange –, que garantiu um espaço para os editores exporem suas novidades e marcarem reuniões. Este espaço ficará em aberto até o final deste ano, tornado possível, assim, um dos objetivos centrais da Feira: os negócios.

Para garantir o espaço dedicado aos ilustradores – The Illustrators Survival Corner, organizado anualmente pela Feira em parceria com o Curso Mimaster de Milano e a feira de Bolonha –, foi organizado o Survival Worlwide Portofolio Marathon. Foram 24h consecutivas dedicadas à avaliação dos trabalhos de 240 jovens ilustradores de 47 países. Vinte e quatro especialistas do mundo todo se revezaram de hora em hora e analisaram 10 ilustradores cada um. Pelo Brasil, participaram como especialistas Mariana Warth e eu. Uma experiência única que me fez conhecer 10 ilustradores de vários cantos do mundo. Agradeço a Ivan, Giacomo, Chiara e a toda a equipe que se manteve a postos o dia inteiro.

Valeu muito a experiência e certamente muito do que foi aprendido servirá para novas iniciativas em um curto espaço de tempo. Mas… faltaram os reencontros, os abraços, os spritz, os jantares, a passagem diária obrigatória pela Giannino Stoppani Libreria per ragazzi, os encontros na fonte de Netuno. E se alguém, em algum momento, pensou que a versão digital poderia substituir feiras futuras, alegro-me em avisar que praticamente todos já confirmaram presença em Bolonha em 2021!

Ci vediamo a Bologna: del 12 al 15 aprille 2021!

Notas

  • 1
    A Feira do Livro Infantil de Bolonha é parceira do projeto “Mapping – Um mapa sobre a estética das artes do espetáculo para os primeiros anos”, uma pesquisa artística apoiada pelo Programa Europeu Criativo, dedicada à relação entre a primeira infância (crianças de 0 até 6 anos) e as artes cênicas (teatro, dança, música, circo etc.). O projeto envolve 18 parceiros de 17 países, incluindo La Baracca – Testoni Ragazzi, o Teatro Infantil da cidade de Bolonha e a Feira. Em particular, o objetivo das atividades da Feira do Livro Infantil de Bolonha é criar uma interação entre as artes cênicas e o mundo da ilustração e literatura para a primeira infância. Os primeiros passos dados pelo BCBF neste projeto são as duas edições do concurso internacional “The Children – Spectators”. As melhores ilustrações dentre as selecionadas para cada edição (uma terceira será realizada no próximo ano) serão incluídas, como uma seção especial, na grande exposição final do projeto em 2022, ao lado das ilustrações de quatro prestigiados artistas internacionais: Katsumi Komagata, Manuel Marsol, Fabian Negrin e Klaas Verplancke. Cerca de 650 ilustradores de 62 países se inscreveram no concurso deste ano, enviando uma ilustração cada – foram 38 obras selecionadas.

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  • Dolores Prades

    Fundadora, diretora e publisher da Emília. Doutora em História Econômica pela USP e especialista em literatura infantil e juvenil pela Universidade Autônoma de Barcelona; diretora do Instituto Emília e do Laboratório Emília de Formação. Foi curadora e coordenadora dos seminários Conversas ao Pé da Página (2011 a 2015); coordenadora no Brasil da Cátedra Latinoamericana y Caribeña de Lectura y Escritura; professora convidada do Máster da Universidade Autônoma de Barcelona; curadora da FLUPP Parque (2014 e 2105). Membro do júri do Prêmio Hans Christian Andersen 2016, do Bologna Children Award 2016 e do Chen Bochui Children’s Literature Award, 2019. É consultora da Feira de Bolonha para a América Latina desde 2018 e atua na área de consultoria editorial e de temas sobre leitura e formação de leitores.

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