Algumas receitas existem

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FabiolaFarias@revistaemilia.com Farias Fabíola

Acho que uma das perguntas que ouço com mais frequência, tanto no trabalho quanto entre amigos, é “o que fazer para que o meu filho leia?”, com variações sobre o mesmo tema: “minha filha não gosta de ler”, “meus alunos não se interessam pelos livros”, “a leitura não atrai os adolescentes”. A questão também está presente no meio acadêmico e mobiliza muitos estudos e livros publicados, numa tentativa permanente e quase sempre angustiada de encontrar caminhos para a promoção da leitura com crianças e, especialmente, com adolescentes. Aparentemente validando o senso comum, afirmo que receitas existem. Não aquelas com passo a passo e medidas exatas, com marcações de relógio, tempo aproximado de preparo e estimativa de rendimento, além da famigerada classificação de fácil, médio ou difícil de se fazer. Se tomada na perspectiva da experiência e no entendimento de que nascemos em um mundo velho, as receitas podem ser compreendidas como o relato de algo que já foi feito, experimentado e que merece ser compartilhado. Garantia de resultado (essa coisa que sequer sabemos se existe e o que é) não há, claro, especialmente se o horizonte for de produtividade. Mas algumas certezas, mesmo que permanentemente provisórias, como a vida, me acompanham e penso que podem contribuir para pensar a leitura, especialmente a literária, com crianças e adolescentes, sejam elas e eles nossos filhos, sobrinhos, netos, alunos ou leitores nas bibliotecas. A primeira delas é de que a leitura não pode ser pensada como um ato isolado, que depende exclusivamente do desejo de quem lê ou não lê e de quem deve oferecer livros – mãe, pai, avó, professora, bibliotecária, mediador de leitura. A leitura exige condições materiais para sua realização: alimentação, saúde, segurança, tempo. Parece estranho mencionar itens tão básicos, porém, se pensarmos numa perspectiva ampla, eles precisam ser considerados. Muitas das crianças e dos adolescentes que temos como alunos e que gostaríamos que estivessem mais presentes em nossas bibliotecas estão inseridos em realidades de muitas privações, que funcionam como impedimento para a leitura e para tanto mais. Minha segunda aposta é de que a leitura precisa ser, efetivamente, uma partilha em vários sentidos: do tempo que os adultos dedicam a estar junto às crianças, aos adolescentes e aos livros para ler, ouvir e falar sobre as leituras; da presença de outras referências que iluminam e são iluminadas por textos e ilustrações, como livros lidos anteriormente, filmes, canções, recordações, questões do cotidiano; da compreensão (ou da desconfiança) do que são e de como são formados os “bens de leitura”, expressão que tomo emprestada da professora, escritora e amiga Nilma Lacerda, que sintetiza os convites e as exigências que as letras nos fazem. Por fim, é preciso que crianças e adolescentes descubram, explorem e se apropriem dos livros, com suas narrativas, ilustrações, formatos, escolhas editoriais. É claro que a mediação é importante em muitas situações, mas não deve ser maior que o livro, que por si só, no que é, nas histórias que conta e nas palavras e imagens que apresenta, é uma promessa generosa aos leitores. Dito de outra maneira, é preciso acreditar que os livros falam direto aos leitores e de que estes, aos poucos, educam sua escuta.



Imagem: Beatrice Alemagna, do livro “I cinque malfatti”, Editora Topipittori.


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  • Fabíola Farias

    É graduada em Letras, mestre e doutora em Ciência da Informação pela Universidade Federal de Minas Gerais, com estágio pós-doutoral em Educação pela Universidade Federal do Oeste do Pará. É leitora-votante da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil.

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