BCBF24 | Conversas de Bolonha: Lola Shoneyin

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Lola Shoneyin é uma escritora nigeriana que também atua como editora, livreira e ativista do livro e da leitura. Vive em Lagos, Nigéria, onde dirige o Aké Arts and Book Festival, que se tornou o maior festival de livros de África.

É fundadora do Book Buzz Foundation, organização que trabalha para promover a alfabetização através do desenvolvimento de espaços de leitura para crianças em seu país e do Bookstorm, um projeto de formação de profissionais para o mercado editorial. É também publisher da Ouida Books, editora que tem entre seus seis selos literários, o Tanja, voltado às infâncias.

Lola foi uma das personalidades de destaque an Feira do Livro de Bolonha de 2024. A Revista Emília conversou com ela. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Priscilla Brossi – Como começou sua trajetória no mundo dos livros e da edição?

Lola Shoneyin – Comecei como poeta. Tenho três livros de poemas. Estudei Literatura e assim que saí da universidade, aos 21 anos, já tinha feito uma ou duas aulas de escrita criativa. Meus professores sempre me diziam que deveria levar a escrita a sério. Eu era muito jovem e adorava escrever. Comecei a participar das reuniões da associação nigeriana de escritores e isso realmente me ajudou porque estava cercada de autores talentosos, tinha muitos modelos. Eu pude ver minha jornada. E também fazia muitas perguntas. Aos 23 anos, fundei minha primeira editora, pois desejava mudar as coisas e publicar mulheres. Era algo que queria fazer, mas não sabia o suficiente sobre o negócio.

Publiquei minha primeira coleção de poemas, também quando tinha 23 anos, e ela causou muita repercussão porque era muito feminista. A primeira seção se chamava “angústia do clitóris”. Muita gente questionou que tipo de coisa era aquela e que eu provavelmente era lésbica. Sempre tentei fazer as coisas de maneira diferente para empoderar as mulheres, mas também para levar a conversa adiante. Logo publiquei minhas segunda e terceira coleções de poemas. Em 2010, meu romance The Secret Lives of Baba Segi’s Wives foi lançado e logo indicado ao Women’s Prize de ficção feminina. Depois ganhou prêmios nos EUA e na Nigéria.

PB – E como foi a entrada na literatura infantil?

LS – Minha estreia na literatura infantil foi em 2010 com Mayowa and the Masquerade. É uma história que fiz para o meu primeiro filho, cujo nome é Mayowa. Me incomodava que ele estivesse constantemente jogando videogame. Percebi que se eu não contasse a história sobre como foi minha vida, ele nunca entenderia o mundo fora dos videogames, fora dos computadores. Queria que ele soubesse que houve um tempo em que a gente subia em árvores, ia ao rio brincar com os animais, ia à biblioteca… Coisas interessantes e depois, claro, acompanhava os desfiles de máscaras e fantasias, tudo muito festivo, com muita música e dança, algo muito presente em meu país. O livro foi escrito para ele, como uma memória minha a ser partilhada com ele. Mas acabou sendo publicado. Nesse contexto, tive que contratar alguém para fazer as ilustrações. Aprendi muito com o ilustrador Francis Blake. Eu fazia perguntas a ele. E assim aprendi um pouco sobre ilustração, tive uma aula prática.

PB – A jornada no universo da literatura para as crianças só estava começando, não é mesmo?

LS – Então, eu estava fazendo tudo isso e administrando a Book Buzz Foundation, organização comprometida em criar espaços de leitura, que está empenhada em organizar eventos artísticos e apoiar escolas e comunidades na obtenção de livros infantis.

Certo dia, fui abordada por uma empresa interessada em apoiar ações relacionados a livros. Sugeri que trabalhássemos em prol de bibliotecas para as crianças nas escolas públicas. Afinal, havia muito trabalho a ser feito nesse sentido. Adoro ler para crianças. Adoro que as pessoas leiam para mim e adoro ler para crianças.

PB – Quando começou a editar livros infantis?

LS – Há alguns anos, decidi apresentar a crianças nigerianas alguns livros famosos do universo infantil. Fiz uma seleção, inclui Elmer, o elefante xadrez. As crianças me olhavam como se eu fosse maluca.  Apresentei O Grúfalo, outro título muito conhecido, mas o monstro parecia não falar com eles. Foi então que decidi apresentar meu livro. E assim que viram um rosto negro, do início ao fim do livro, como se o menino do livro fizesse algum tipo de movimento, foi tão poderoso! Me dei conta que, durante toda a minha vida, falei sobre representação teoricamente. Mas é incrível ver as crianças se sentirem representadas de forma concreta. Tão importante! Porque assim estamos dando valor à existência delas. Ao mostrarmos a apenas imagens de pessoas brancas o tempo todo, essas crianças começam a pensar que suas vidas, suas existências no mundo não são importantes.

Assim, me dei conta que precisava de mais livros. Fui procurar outros livros escritos por pessoas do meu país. Livros escritos para essas crianças, que fossem de alta qualidade, coloridos. Não consegui encontrar um, nem mesmo um. No norte da Nigéria, todos os livros são de outros lugares. E os que estão disponíveis são de má qualidade.

Há 18 estados no norte da Nigéria e milhões de crianças fora da escola. Então, decidi: vou escrever um livro que represente cada um dos estados. Vou pesquisar para entender as comunidades. Isso me moveu a pesquisar e entender como outras pessoas vivem. Tentamos trazer essas referências tão importantes em cada um dos livros infantis para que os pequenos leitores se vissem representados.

Desse processo surgiu a série de livros Northern Lights.

PB – Agora fale-nos sobre esse seu trabalho de fomento ao mercado, o Bookstorm.

LS – Escrever é uma habilidade, mesmo quando se tem uma história. Se você está escrevendo livros infantis, você pensa em páginas espelhadas, não apenas em páginas. É preciso saber muitas coisas no mercado editorial ou simplesmente comete erros. Pensei que seria importante ensinar outras pessoas e é por isso que criamos o Bookstorm.

Estamos fazendo parceria com profissionais experientes, convidando-os a treinar, por exemplo, alguns de nossos ilustradores. Afinal, já temos o talento, o que falta é a técnica. Quando a habilidade técnica se somar ao talento, poderemos criar coisas lindas.

Nosso objetivo é produzir 100 livros escritos e ilustrados por nigerianos/as antes do final de 2027. Esse é o nosso sonho. Já treinamos agentes, editores, escritores, ilustradores, designers gráficos e editores. É difícil, temos que lidar com todo ecossistema.

Então este é o negócio. Por enquanto, apenas para o universo editorial voltado às crianças. Quando construímos a infraestrutura para livros infantis, transferimos aos livros para adultos. Também na Nigéria temos o problema de contar as nossas histórias. É por isso que deve ser feito, alguém tem que fazer isso. Temos tantos artistas famosos que são ótimos, mas não temos ilustradores.

PB – Como você vê a literatura infantil na África?

LS – Não está nem perto de onde deveria estar. Na Nigéria, por exemplo, temos trabalho a fazer. Mas também acredito que podemos fazê-lo. Porque às vezes tudo o que uma situação, um país, uma comunidade precisa é de um catalisador. A abertura está aí, mas ninguém se atreve. Eu me vejo nesse papel. Sou corajosa, tenha experiência de vida… então posso navegar em espaços muito difíceis. As pessoas antes de mim fizeram isso por mim. Portanto, tenho a responsabilidade pela próxima geração. É assim que tem que ser, é assim que crescemos.

No continente africano, há muitas possibilidades e por isso que digo que às vezes só precisamos de um catalisador. Alguém que de repente crie um movimento. Aqui na Feira do Livro Infantil de Bolonha tenho muitos colegas editores de diferentes países africanos que também têm o mesmo problema de registrar suas histórias.

O que estou fazendo é contribuir criando um manual. Para que façam à sua maneira e assim tenhamos o maior número possível de países contando suas próprias histórias. E que comecemos a trocar nossas histórias. É assim que todos nós vamos crescer juntos, inspirando-nos uns aos outros.

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  • Priscilla Brossi Gutierre

    Jornalista com experiência em gestão de projetos de comunicação. Especializada no desenvolvimento de estratégias de conteúdo editorial, incluindo planejamento, edição, curadoria e redação, para diferentes formatos e mídias. No Instituto Emília, atua no plano de relacionamento com a imprensa e edita a newsletter mensal. 


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