BCBF24 | Um viva à BCBF 2024! Um viva às vozes do mundo!

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Corredores cheios, programação intensa, agendas lotadas, encontros inesperados e saudosos, novos contatos, várias mostras, premiações, muitos negócios. A BCBF  – Bologna Children’s Book Fair – 2024 retoma e acelera seu ritmo vivo e frenético, depois dos anos pós-pandemia. Mas esta vivacidade se deve, antes de tudo, ao trabalho intenso de difusão e expansão promovido pela direção da Feira nos últimos anos, que resulta na presença de países e na abordagem de questões até pouco tempo ausentes. Se nas décadas passadas foi a vez de o Oriente marcar presença por meio da produção editorial do Japão, Coreia, China e Taiwan, agora o foco se volta para a produção dos países africanos, da América do Sul e da Índia, e para as temáticas, até recentemente fora dos cânones oficiais. São estes que ganham presença e representatividade.

            Impossível não reconhecer o profundo paradoxo que a maior Feira do livro infantil do mundo provoca quando assistimos ao genocídio de milhares de crianças. Vários foram os momentos marcantes que lembraram este desastre humanitário: das referências em praticamente todos os discursos institucionais aos pronunciamentos em mesas, passando pelo espaço organizado pelos ilustradores – Drawing to Palestine –, onde 60 ilustradores cederam seus trabalhos a fim de arrecadar fundos para as comunidades afetadas. Houve até a distribuição de bottons “Stop War”, como os do estande do Instituto Emília.

            Vale lembrar que a BCBF é uma Feira de negócios – negócios que têm como matéria-prima o texto literário, o texto informativo, a ilustração – onde direitos autorais são vendidos e comprados, e os criadores mostram seus trabalhos. Daí o seu público especializado, pois a venda de livros é restrita aos assistentes da Feira, o que explica a não entrada de crianças e de um público em geral, questão que inclusive foi levantada por pessoas que visitavam a Feira pela primeira vez.

            A vivacidade deste mercado se sente logo ao entrar  no recinto da Feira e dar de cara com o Muro dos ilustradores, fonte de prospecção para editores que querem descobrir novos talentos e vitrine para uma legião de jovens que sonham em ver seus trabalhos publicados; e nas imensas filas que se formam para avaliação de portfólios nos estantes de muitas editoras de ponta. Foram mais de 3000 ilustradores que mandaram seus trabalhos para a seleção da Mostra de Bologna, número que cresce a cada ano.

            O prestígio da Feira chegou a tal ponto que, este ano, o Illustrator Corner, organizado pela escola de Ilustração Mi Master, de Milão, parceira da Feira na programação das atividades dirigidas aos ilustradores, esgotou suas inscrições para oficinas e análises de portfólios em 3 minutos e meio. A qualidade dos trabalhos apresentados na avaliação de portfólios mostra o resultado da formação promovida nos últimos anos, tanto pela Feira como por outras entidades voltadas ao trabalho com ilustração.

            Dentro desse universo, impossível não fazer referência à emocionante homenagem prestada a Katsumi Komagata (1954-2024), um dos artistas contemporâneos mais importantes e próximos da Feira nos últimos anos. Representado pela sua filha Ai Komagata, herdeira de One Stoke, e pelas suas parceiras mais próximas, Komagata se fez presente e continuará vivo nas suas obras de tirar o fôlego. Komagata, um dos maiores.

            Durante os últimos anos, a Feira ampliou suas parcerias e seus espaços, atenta às novidades do mercado e às novas tendências presentes nas inúmeras temáticas das mesas redondas, jornadas, exposições, incorporando todos os setores da cadeia do livro: editores e criadores em primeiro lugar, mas também livreiros, agentes, tradutores. Exemplo disso: o espaço que as HQs foram ganhando nos últimos anos e que atualmente constitui uma área própria de discussão e exposição. Hoje a feira não se resume mais ao livro Infantil, a BBPlus é o braço do livro para adultos, que tem crescido consideravelmente nos últimos anos.

            Entre as parcerias, tivemos, pelo segundo ano consecutivo, a presença de representantes da Secretaria Municipal da Educação de São Paulo, que consiste no convite por parte da feira a uma professora da rede. Os objetivos dessa ação: difundir BCBF entre os professores e contribuir para a criação de repertórios que instrumentalizem docentes na construção de critérios de seleção.

            Tudo isso é, sim, meio assustador, tanto assim que a primeira impressão dos marinheiros de primeira viagem é sempre a mesma  – “Estou perdida(o)!” –, o que é um ótimo sinal. Sair da Feira, mesmo que você não seja um novato, com muitas convicções e achando que viu tudo é no mínimo perigoso, para não dizer superficial. Impossível ver tudo, impossível assistir a tudo. Entre as falas mais comuns dos editores com as suas agendas cheias estão: “Não consegui ver nenhuma exposição”. “Não consegui assistir a mesa que tanto me interessava…”. E assim é.

            Identificar tendências, selecionar aqueles livros e ilustradores que se destacam no meio de um mercado super aquecido, separar o joio do trigo, enfim, são alguns dos objetivos dos editores, cada um de acordo com seus catálogos e concepções. Temáticas que giram em torno de conflitos, guerras, que têm cunho social e comportamental, temas “fora da caixinha” e recuperação de clássicos contemporâneos representam, do meu ponto de vista, uma das tendências mais interessantes. Os livros informativos estão em alta, e é aqui que podemos ver algumas das produções mais inovadoras e interessantes.

            Mas a programação da Feira não se resume a isso; temos a programação na cidade, na Sala Borsa, na Livraria Per Ragazzi, nas bibliotecas… Sim, uma imersão no mundo do livro, da ilustração, daquilo que se produz internacionalmente. Cabe a cada um achar os seus pares neste mundão enorme de possibilidades. Isso pode levar algum tempo, anos talvez, mas só estando lá é que esse cenário se constrói para que as melhores parcerias e colaborações nasçam.

            Quem acompanha a organização da Feira e vê esses resultados com todas as suas implicações só pode aplaudir a equipe responsável, dirigida pela Diretora da Feira, Elena Pasoli, e saudar e agradecer a possibilidade desta vivência intensa e muitas vezes transformadora do olhar, da construção de repertório e do encontro com nossos pares mundo afora.

            Uma salva de palmas e todo nosso agradecimento!

            Pelo segundo ano consecutivo, o Instituto Emília se faz presente com seu estande, resultado de uma longa construção de parcerias e colaborações. Os aprendizados de 2023 se materializaram em 2024, quando nos afirmamos como um dos principais pontos de encontro e de referência da produção editorial brasileira, mas não só.

            A nossa participação como Instituto antecede o estande, quando, em 2020, propusemos as primeiras mesas redondas em torno de uma reflexão sobre as infâncias à margem e a importância de se discutir a produção da literatura dentro desse contexto, chamando a responsabilidade e sensibilidade dos editores e de todos os envolvidos na cadeia da produção do livro.

            Durante estes anos, trouxemos para dentro da Feira as experiências de Parelheiros, do Chocó na Colômbia, de um campo de refugiados, da representatividade autêntica das infâncias da diáspora africana, dos indígenas, a voz dos povos originários, a denúncia do racismo… Sermos “os responsáveis”, como disse Elena Pasoli na apresentação da mesa Origins. Indigenous voices in children’s books, “por trazer essas reflexões para dentro da BCBF” é um dos maiores reconhecimentos da participação do Instituto Emília na Feira de Bologna.

            Pela primeira vez uma jovem autora Inuit, Aviaq Johnston, e uma editora Maori, Eboni Waitere, estiveram representadas em uma mesa em Bologna, ao lado de Adolfo Cordova, autor mexicano  – a quem agradecemos o pedido de um minuto de silêncio pelas vítimas do genocídio palestino –, de David Hunger, autor de Guatemala, de Jason Low, editor norte-americano, de Nat Cardozo, autora uruguaia, e de Victor D. O. Santos, autor brasileiro.

            Essa diversidade de vozes foi um dos pontos altos da Feira neste ano. O direito à palavra, o direito à escuta, a representatividade das diferentes línguas e povos e o direito a serem publicados, o significado para estas infâncias de se verem representadas e, assim, afirmarem suas identidades. Uma ruptura com a hegemonia dos cânones estabelecidos em personagens, temáticas, contextos sociais e geográficos e padrões estéticos da produção editorial. A perversidade do mercado não deixou de ser apontada: a incorporação dessas temáticas como “modas”, uma vez que estão na ordem do dia. E as versões folclorizadas e estereotipadas que resultam daí.

            É um orgulho escutar pelos corredores sobre a densidade e a importância dessa programação. Na mesa Transatlantic connections: literature, childhood and diversity, foi extremamente significativo ver a identidade entre os discursos de Bel Santos (Brasil), Lola Shoneyin (Nigéria) e Wade e Cheyl Hudson (EUA): a ausência de representatividade das infâncias negras e a necessidade de dar visibilidade e voz a elas foram pontos enfatizados por todas.

            Participar, como convidada, na mesa Dead Bunnies and Naked Bottoms – Meeting the challenges of Children’s Publishing across cultures, coordenada por Maria Russo, ao lado de um dos maiores editores do mundo, Neal Porter, e de Beatrice Alemanha, contribuiu para redimensionar a indústria editorial no Brasil, rever critérios e ajustar propósitos e expectativas. Espero escrever em breve sobre isso.

            Um dos momentos altos da programação cultural da Feira foi The Reading of the Universal Declaration of Human Rigths, organizado pelas Nações Unidas e lido nas diferentes línguas presentes no evento, uma afirmação da diversidade acima de tudo.

            Este pequeno resumo da participação do Instituto Emília na BCBF 2024 tem por trás o apoio de toda a equipe que vem tocando o projeto Emília. Vale, todavia, destacar alguns nomes sem os quais nada disso seria possível: Carol Hornos, em primeiro lugar, responsável por carregar nas costas (literalmente) o estande e fazer com que tudo funcionasse da melhor maneira possível, com toda a generosidade, inteligência e paciência que o trato exige. Priscilla Brossi, pela cobertura incrível da Feira e seu olhar mais do que sintonizado com o projeto Emília. Camila Petrovitch, Anita Prades, Ana Barbara dos Santos, Isabella Sato, Keila Knobel: um luxo ter vocês no estande. Bel Santos e Val: de Parelheiros para o mundo, sempre, só que agora passando por Bologna.

            Uma menção especial também aos editores que nos acompanham nesta aventura de construir um coletivo que potencialize a ação de todos. Não é fácil entrar em um espírito que se contrapõe ao tradicional prestador de serviços com a construção de pontes, vocação que acompanha a Emília desde as suas origens.

            As datas para a BCBF 2025 já estão definidas, de 31 de março até 4 de abril! 2025.

            Ci vediamo em Bologna, a presto!

Quer saber mais? Acesse a cobertura de BCBF 2024.

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  • Dolores Prades

    Fundadora, diretora e publisher da Emília. Doutora em História Econômica pela USP e especialista em literatura infantil e juvenil pela Universidade Autônoma de Barcelona; diretora do Instituto Emília e do Laboratório Emília de Formação. Foi curadora e coordenadora dos seminários Conversas ao Pé da Página (2011 a 2015); coordenadora no Brasil da Cátedra Latinoamericana y Caribeña de Lectura y Escritura; professora convidada do Máster da Universidade Autônoma de Barcelona; curadora da FLUPP Parque (2014 e 2105). Membro do júri do Prêmio Hans Christian Andersen 2016, do Bologna Children Award 2016 e do Chen Bochui Children’s Literature Award, 2019. É consultora da Feira de Bolonha para a América Latina desde 2018 e atua na área de consultoria editorial e de temas sobre leitura e formação de leitores.

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