BCBF24 | Conversas de Bolonha: Paloma Valdivia

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A chilena Paloma Valdivia chega à Feira do Livro de Bolonha 2024 como a ilustradora da capa do anuário da Mostra de Ilustradores, candidata ao prêmio Hans Christian Andersen e com a Ediciones Liebre indicada ao Bologna Prize (BOP) Best Children´s Publishers of the Year, que premia os melhores editores do ano no mundo todo.

Seu trabalho como autora foi traduzido para mais de 15 idiomas e recebeu importantes prêmios, incluindo BIB 2023, da Bienal de Bratislava, o The White Ravens em 2013 e 2018, e os Melhores Livros Infantis do New York Times de 2022, com livro Book of Questions, de Pablo Neruda, ilustrado por ela.

Nascida em 1978, em Santiago, é formada em design na Pontifícia Universidade Católica, com pós-graduação em ilustração na Escuela de Arte y Diseño Eina, na Espanha. Desde 2017, dirige a Liebre, ao lado de sócia, Mónica Bombal.

A Revista Emília conversou com Paloma às vésperas do início da feira sobre o reconhecimento internacional, seu processo criativo, os desafios de editar livros para crianças e mais. Confira a seguir.

Priscilla Brossi – Você chega à Feira do Livro de Bolonha como a ilustradora da capa do anuário da Mostra de Ilustradores, candidata ao prêmio Hans Christian Andersen e com a Liebre, sua editora, indicada ao BOP. Como vê o reconhecimento internacional de seu trabalho?

Paloma Valdivia – É uma alegria enorme e o reconhecimento de anos de trabalho. Em parte sou ilustradora graças à Feira de Bolonha. Soube de sua existência aos 19 anos, na primeira aula de ilustração. Minha professora trouxe uma caixa de slides e nos mostrou a Feira de Bolonha. Naquele momento percebi que a ilustração de livros infantis era uma profissão possível e valorizada. Mal me formei na universidade e com as economias de uma vida inteira, viajei para a feira. Bolonha é a minha escola, nela aprendi muito do que sei, gerei laços de trabalho e de amizade. Nela consegui vender e posteriormente publicar meus primeiros livros como autora. Ilustrar a capa do anuário, que há anos é meu livro de cabeceira, é uma honra, uma espécie de fechamento de ciclo.

Já a indicação ao Hans Christian Andersen é resultado de um trabalho de equipe. O Ibby Chile fez o convite para me inscrever. A elaboração do dossiê levou dois anos. Nele trabalharam minha agência, Puentes, uma jornalista, um tradutor, um designer e muitos amigos e conhecidos, a quem pedimos cartas e recomendações. Foi um grande esforço. Trabalhando nesta apresentação, percebi tudo o que havia feito em meus 20 anos de carreira. Fico feliz por ter reunido e organizado todo esse material e, claro, pela indicação.

PB – Como ilustradora você tem uma marca, que é expressar algo complexo de maneira simples. Poderia compartilhar como é seu processo de criação?

PV – Meu desejo é contar histórias de uma forma simples, mas não superficial. Me interesso por temas universais, a vida, o amor, os pontos de vista, os animais, a relação das crianças com suas mães (essa conexão me emociona, parece que há tanto a dizer aí). Criar um livro completo leva muito tempo. A ideia surge de algum pensamento recorrente que retorna e começa a tomar forma. Quase todo do processo de criação do livro acontece primeiro na minha cabeça.

Em geral são histórias de algum momento da minha vida. Poderia dizer que trabalho muito com a autoficção. Tenho uma memória muito boa e vou lapidando a ideia tanto em texto quanto em imagem mesmo sem executá-las. Procuro informações, referências, leio muito. Só quando sinto que a história está quase pronta é que ela vai para o papel em forma de esboços. Eu trabalho nisso por um tempo e depois começo a dar forma aos originais. Pensei tanto cada livro que às vezes sinto que, quando finalmente os escrevo e ilustro, é como se os estivesse imprimindo.

PB – Como começou a trabalhar com livros infantis?

PV – Tanto os livros quanto as infâncias fazem parte das minhas paixões. Adoro os livros como o objeto mágico e maravilhoso que eles são: permitem viver outras vidas, ver outras paisagens, sentir outras emoções. O mesmo acontece com as infâncias. Tenho apreço não só pelos meninos e meninas de hoje e de agora, mas por todas as infâncias de antes.

Aquele momento em que tudo é novo e as coisas são vivenciadas pela primeira vez com intensidade, boas e ruins. Acho que na infância se pode definir parte de como será a vida, as paixões e motivações. A infância me parece sagrada. Por isso mesmo, um livro lido ainda quando criança pode marcar, iluminar, acompanhar, mostrar beleza, fazer daquele período um lugar mais suportável e melhor.

PB – Ser chilena, latino-americana… essas identidades se expressão de alguma maneira em sua criação?

PV – Hoje eu diria que sim, tenho referências que se tornaram recorrentes, que vêm em grande parte da arte latino-americana, principalmente do artesanato do nosso povo. Nada me parece mais bonito do que coisas feitas à mão por pessoas que não passaram pela academia. Suas formas de expressão artísticas têm alma e são únicas em sua imprecisão.

Coleciono bichinhos de barro, passarinhos de crina de cavalo, insetos de madeira. Eles são inspiração para minhas ilustrações. E também as formas de arte que gosto, Art Brut, pintura rupestre, arte Naïf, arte pré-colombiana, desenhos infantis. Formas de expressão sem escola que, na minha opinião, são um tesouro.

PB – Vamos falar agora da Paloma editora. Quando a Liebre surgiu e qual sua proposta editorial?

PV – A Liebre surgiu em 2017. Eu e minha sócia, Mónica Bombal, queríamos explorar novas possibilidades no mercado do livro infantil. No Chile, eles eram poucos e muito tradicionais. Nossa aposta foi explorar e inovar em formatos, pensar em criar livros que também fossem objetos desejados, como um brinquedo querido.

Ganhou destaque nossa coleção Acordeón, com livros feitos de papelão, em grande formato, que podem se estender por mais de três metros. Os livros foram idealizados e criados durante a pandemia. Nossa premissa era mostrar a natureza às crianças que estavam há tanto tempo trancadas em casa e que, embora estivessem conectados on-line, não tinham um lugar físico para estar. Criamos estes abrigos, estruturas que envolvem as crianças com a natureza, cenários cheios de histórias para observar e brincar sozinhos ou com outras pessoas. O Mar, A Floresta e A Montanha é uma coleção que valorizamos, envolve, acompanha e embeleza.

PB – De que forma a Liebre se insere no mercado editorial do Chile? E como ela se mostra para o mundo?

PV – A Liebre coexiste com muitos outros projetos interessantes da Literatura Infantil e Juvenil que existem hoje Chile. No ano passado, formamos o coletivo CLIC, ao lado de outras nove editoras dedicadas às infâncias e com as quais partilhamos visões semelhantes. Embora criemos livros no Chile, também os fazemos para ganhar o mundo e serem lidos por crianças de muitos lugares.

PB – Acompanha a atual produção literária para crianças e jovens da América Latina?

PV – Estamos em constante diálogo com outras editoras e autores da América Latina. Isso nos faz pensar e enriquece a produção. Compartilhamos experiências e muitas das editoras são referências para nós. O prémio BOP, para o qual fomos indicados pela segunda vez, dá visibilidade aos editores e permite que possam se posicionar num mercado internacional. O sucesso de uma editora latino-americana também abre portas para outras.

PB – Como avalia as possibilidade dos livros para crianças em um mundo tão digital?

PV – Para mim, um livro em papel na primeira infância não pode ser comparado a um livro digital. Um livro em papel não é só a história que se lê e se observa, é também tudo o que acontece à sua volta, o tempo dado à criança, ao adulto que o acompanha, o carinho dado nessa leitura, a tranquilidade e o momento de contemplação. Estamos num mundo muito barulhento, o livro de papel gera uma pausa, um olhar para fora, mas também muito para dentro.

PB – E como avalia os desafios de formar leitores, especialmente na primeira infância, em contextos de desigualdades sociais tão latentes?

PV – Uma das principais apostas dos países latino-americanos, especialmente do Chile, é garantir o acesso a livros de qualidade na primeira infância. O desafio são as políticas públicas. Como editora, estamos atentas a esses canais e à forma de oferecer tais acessos às instituições públicas.

Na pandemia, trabalhamos com a Fundación Integra, que oferece educação infantil, sendo responsável por mais de 800 jardins de infância em setores vulneráveis ​​no Chile. Conseguimos criar para eles a Coleção Minha Memória, uma linda caixa com 10 livros com músicas populares, lindamente ilustradas e posteriormente animadas, permitindo que meninos e meninas e suas famílias tivessem acesso à leitura e ao canto em família.

Gostamos também da ideia de criar livros que possam ser mediados e fornecer ferramentas ao mediador, gerando proximidade entre a criança e o livro. Cada livro que fazemos na Liebre tem uma ou mais atividades associadas que permitem compreender melhor o livro e dar muito mais possibilidades do que uma única leitura.

PB – Para terminar: em mundo tão duro e difícil em que vivemos, que papel pode ter a literatura para as crianças?

PV – Num mundo que parece tão duro, cinzento e difícil, para mim é importante mostrar às crianças parte da enorme beleza que existe. Os livros – bem como a arte em geral – servem a esse propósito.

Os livros oferecem momentos de calma, contemplação, alegria e permitem olhar para aqueles outros mundos que existem conosco. Eles são museus, janelas. São luzes como fogos de artifício que nos iluminam na infância. Queremos que essas luzes nos acompanhem para sempre.

Imagens: Paloma Valdivia

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  • Priscilla Brossi Gutierre

    Jornalista com experiência em gestão de projetos de comunicação. Especializada no desenvolvimento de estratégias de conteúdo editorial, incluindo planejamento, edição, curadoria e redação, para diferentes formatos e mídias. No Instituto Emília, atua no plano de relacionamento com a imprensa e edita a newsletter mensal. 


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