Destaques Emília: 2019 / 2020

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Depois de um intervalo de mais de dois anos, o guia Destaques Emília ganha nova edição, que traz a análise dos livros infantis lançados no Brasil no período de 2019 e 2020. Resultado de um trabalho profundamente impactado pela pandemia, não só do ponto de vista da produção analisada como também do formato que a equipe precisou encontrar para análise e discussões.

Para esta edição, foi preciso buscar novos referências teóricos, ampliar olhares e assim dar conta da realidade de país que a pandemia evidenciava: a desigualdade social, a diversidade das infâncias, contextos e necessidades tão diferentes.

Com uma história de mais de 10 anos, o Destaques Emília tornou-se referência em termos de análise crítica dos livros infantis produzidos pelo mercado editorial brasileiro. São várias as edições publicadas (consulte-as aqui), sempre acompanhadas de o Olhar do leitor que traz a perspectiva da criança leitora.

Conversamos com a coordenação 1Participam da Coordenação dos Destaques Emília: Barbara Passos, Carolina Fedatto, Emily Stephano, Irene Monteiro. do Destaques Emília sobre a chegada do novo guia, as reflexões, inquietações e desafios desse trabalho de avaliação. Confira a seguir:

Priscilla Brossi Em perspetiva histórica, quais são os princípios norteadores do Destaques Emília e em que se diferencia de outras publicações e análises disponíveis?

Destaques Emília Desde sua origem, o Destaques Emília mantém como princípio a necessidade de estudos e reflexões para definição de critérios de avaliação para seleção de livros de maneira comprometida e cuidadosa.  Afinal, diante da diversidade do mercado do livro para crianças e jovens, sempre foram  indispensáveis atualizações constantes por parte dos colaboradores e diferentes discussões acerca de critérios cada vez mais refinados.  

Outro princípio que sempre norteia nosso trabalho diz respeito aos processos de seleção. Mais do que apresentar uma lista final de livros selecionados, temos a clareza da importância de compartilhar todas as etapas do trabalho realizado. Etapas que, de modo frequente, são pensadas, a fim de favorecer reflexões que consideramos fundamentais para a realização de uma seleção minuciosa. Ler os livros, identificar pontos importantes para aprofundar análises, estudar, escutar atentamente os diferentes colaboradores, investir em conversas em diferentes formatos, reler os livros, ampliar referenciais teóricos e alinhar os critérios são ações que nutrem nosso processo de trocas e seleção.  Considerar a opinião das crianças e jovens sobre os títulos selecionados também foi – e é – um princípio fundamental do nosso trabalho. 

PB É ainda comum a ideia de que crianças e jovens leitores/as não teriam condições de acessar certos temas ou abordagens nos livros. Desde as primeiras edições, o Destaques buscava ampliar referências, contribuir para enriquecer repertório e aprofundar reflexões sobre a produção e os critérios de avaliação. Qual é a perspectiva de leitor que permeia as discussões e análises?

DE Esse é o maior diferencial do Destaques Emília: uma visão de leitor inteligente, crítico, pesquisador, interessado, desconfiado. Durante nossa trajetória leitora, não lemos apenas textos fáceis, confortáveis, que entendemos. Faz parte da vida do leitor se deparar com livros que nos tiram do lugar, que incomodam, que fazem pensar, sofrer, livros que nos deixam no vácuo. E não é fácil encontrar livros assim, porque o mercado editorial acaba sendo pressionado a investir naquilo que já faz sucesso e que terá uma boa aceitação. Por isso, o Destaques evidencia livros que pressupõem leitores desobedientes e inquietos.

Temos clareza da diversidade que caracteriza as infâncias e os jovens. Nessa direção, desejamos que todos tenham acesso a um importante conjunto de variadas experiências de  leitura. Por essa razão, acreditamos e apostamos num leitor capaz de refletir e atribuir diferentes sentidos ao lido. Um leitor que pode experimentar a literatura em toda sua complexidade e beleza.

PB Pouco antes da pandemia, a equipe do Destaques Emília já discutia promover mudanças na forma de pensar e produzir a publicação. A gestação de um novo formato se chocou com o início da crise sanitária trazendo ainda outros desdobramentos. Qual foi o impacto da pandemia nesse processo de mudanças? Que reflexões esse período trouxe e como afetou a dinâmica de trabalho do grupo?

DE Como aconteceu com muita gente, perdemos o medo de trabalhar on-line. Entendemos que a tela não significava distância, mas ligação entre pessoas diferentes, em lugares diversos, com trajetórias distintas. Aprendemos a lançar mão da tecnologia não só nas discussões feitas em reuniões síncronas, como na gravação e análise de momentos de leitura, no uso de planilhas etc.

Muitos foram os desafios que vivenciamos na tentativa de migrar as etapas de trabalho que realizamos no presencial para o formato on-line. Naturalmente, sentimos falta dos encontros e trocas aquecidas pelas leituras e toques simultâneos nos livros, do ritmo das conversas, da dinâmica das reuniões. Por outro lado, ampliamos o nosso olhar para as novas possibilidades de interação e alargamos o nosso repertório. Nesse sentido, o  novo formato favoreceu a participação de leitores e colaboradores de outras cidades e estados de nosso país e isso permitiu, de modo significativo, a ampliação dos nossos referenciais que são a base das avaliações realizadas.  

PB Novos referenciais teóricos foram incorporados ao processo de discussão e análise crítica dos livros, certo?  Quais são eles e por que se tornaram relevantes?

DE Percebemos que era fundamental incorporar critérios sócio-históricos e políticos à análise da produção editorial para crianças. Por isso, recorremos à leitura de autores marxistas, como Constantino Bértolo e Georg Lukács. Graciela Montes, Cecila Bajour, Yolanda Reyes, Beatriz Helena Robledo, María Emília López e Perry Nodelman também são pensadores importantes na definição e revisão dos critérios.

PB Quais os desafios enfrentados pelo grupo para  análise crítica das obras diante da diversidade de infâncias, contextos e necessidades de um país que, nos últimos anos, tornou-se ainda mais desigual?

DE Como o trabalho do Destaques é de avaliação, não de seleção – e aqui citando Beatriz Robledo -, não temos condições de avaliar a pertinência da escolha das obras para um público ou situação de leitura específica, mas a discussão de critérios históricos e políticos mais amplos procura considerar a relação da literatura com as diferentes realidades brasileiras, cabendo ao mediador selecionar livros que ofereçam identificação e questionamento aos leitores em formação.

PB Que análise se pode fazer sobre o mercado editorial voltado às crianças no Brasil a partir do material analisado pelo grupo? 

DE No último ano, identificamos muitos livros ilustrados que demonstravam cuidado e preocupação com a estética. Esses títulos relacionavam, com excelência, texto verbal, imagens e projeto gráfico. Percebemos um aumento na publicação de livros de não ficção. Além disso, observamos, de modo geral, pouca ousadia nas produções as quais tivemos acesso, provavelmente reflexo dos critérios e exigências dos editais públicos. Também identificamos vários títulos com critério escolar muito presente e publicações “politicamente corretas”. 

PB Para concluir, vamos falar sobre o Olhar do leitor. De que forma esse momento da avaliação contribui para a análise crítica das obras? 

DE Incorporar e considerar a análise das crianças e jovens é fundamental  para não perdermos de vista seus interesses, identidades, preferências.  Por essa razão, o Olhar Leitor sempre é esperado por todos nós. Conhecer o que as leitoras e leitores pensam sobre os livros é uma potente maneira para orientarmos as nossas análises e reavaliarmos os nossos critérios. 

Nota

  • 1
    Participam da Coordenação dos Destaques Emília: Barbara Passos, Carolina Fedatto, Emily Stephano, Irene Monteiro.

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  • Priscilla Brossi Gutierre

    Jornalista com experiência em gestão de projetos de comunicação. Especializada no desenvolvimento de estratégias de conteúdo editorial, incluindo planejamento, edição, curadoria e redação, para diferentes formatos e mídias. No Instituto Emília, atua no plano de relacionamento com a imprensa e edita a newsletter mensal. 


    Priscill@revistaemilia.com.br Brossi Gutierre Priscilla

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