Em defesa das livrarias

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martinsfontes@emilia.com.br Martins Fontes Alexandre

Vivemos momentos muito especiais. As entidades do livro nunca estiveram tão unidas em torno de causas fundamentais para o fortalecimento da indústria editorial brasileira.

Cito aqui três exemplos recentes:

  1. Nos últimos anos, lutamos com determinação, energia e competência para que o livro, esse produto de elite (perdoem-me a ironia), não passasse a ser taxado pelo governo federal.
  2. Mais recentemente, trabalhamos com força e coragem para que o governador de São Paulo revisse sua decisão (injustificada e retrógrada) de tirar o estado de São Paulo do PNLD e de adotar apenas conteúdo digital, na contramão do que vem sendo demonstrado por inúmeros estudos internacionais.
  3. Cada uma de nossas entidades apoia e vem trabalhando para que a Lei Cortez1 torne-se realidade em nosso país, como é em Portugal, Espanha, Itália, França, Alemanha, Holanda, Japão, Coreia, Argentina, México, entre outros. Poucos anos atrás, estávamos muito longe dessa unanimidade. E é justamente essa unanimidade que me faz ter certeza de que, em breve, seremos bem-sucedidos, como fomos nas lutas travadas contra o ministro Paulo Guedes e contra o governador Tarcísio de Freitas.

Paradoxalmente, nunca enfrentamos desafios tão importantes e tão urgentes.

Tenho certeza de que todos os profissionais do livro reconhecem a importância das livrarias e estão convencidos de que um mercado editorial saudável depende necessariamente de um mercado de livros forte, criativo e inovador.

Não conheço uma única editora que se posicione aberta e publicamente contra as livrarias brasileiras.

No entanto, infelizmente, não são poucos os exemplos que sinalizam um descompasso preocupante entre palavras e ações.

Vamos a alguns deles:

  1. Toda vez que uma editora faz uma venda exclusiva para uma gigante do varejo online, ela está contribuindo para que os leitores deixem de visitar uma livraria.
  2. Sempre que uma editora, através do seu site, vende seus livros por preços diferentes daqueles que ela, editora, estabeleceu (em outras palavras, oferece descontos que nós, livreiros, não podemos cobrir), ela está convidando seus leitores a não frequentarem nossas livrarias de bairro.
  3. Toda vez que uma editora oferece vantagens exclusivas para seus seguidores (distribuindo pôsteres, camisetas, frete grátis, entre outros mimos), ela está afastando os leitores das nossas lojas.
  4. Enquanto as editoras permitirem que seus lançamentos sejam vendidos com descontos abusivos, elas estão contribuindo para o fechamento de mais uma livraria brasileira.

Infelizmente, nos dias que correm, essas têm sido práticas corriqueiras de grande parte das editoras nacionais. Como vocês podem ver, temos aqui um oceano a perder de vista entre o que as editoras defendem publicamente e o que realizam na prática.

Gosto de citar uma frase do Neil Gaiman, renomado autor inglês: “Uma cidade sem livrarias pode até se considerar uma cidade, mas ela sabe que não está enganando ninguém”.

Infelizmente, não faltam cidades no Brasil sem uma única livraria. Se não abrirmos os olhos, muitas outras cidades e bairros brasileiros deixarão de contar com as livrarias que ainda sobrevivem em suas ruas.

No Brasil, a inauguração de uma livraria deveria ser sempre comemorada com muita festa e alegria. Da mesma forma, seu fechamento deveria nos obrigar a alguns minutos de silêncio e de reflexão.

Afinal, nós queremos mais ou menos livrarias espalhadas pelas ruas de nossas cidades?

Se a resposta for “sim, queremos e precisamos de muito mais livrarias por esse Brasil afora”, temos que arregaçar as mangas e trabalhar para que essas práticas destrutivas e inconsequentes que acabei de citar deixem de existir.

No começo de agosto, fui convidado para participar de um evento em Atibaia, organizado pela CBL, onde tive o privilégio de dividir uma mesa com o Marcos Pereira, ex-presidente do SNEL, e presidente da Sextante, um dos mais importantes grupos editoriais do Brasil. Naquela mesa, onde discutimos os caminhos e destinos da tão sonhada Lei Cortez, o Marcos propôs que o mercado editorial colocasse em prática as premissas básicas da lei antes mesmo da sua aprovação.

Seguindo a sugestão do Marcos, logo após o encontro em Atibaia, decidi que a Livraria Martins Fontes Paulista não venderia nenhum livro lançado nos últimos seis meses com descontos superiores a 10%. Nossos colegas livreiros e distribuidores (Leitura, Travessa, Vila, Curitiba, Loyola, A Página, Livraria da Tarde, Escariz, Drummond, Santos, Vitrola, Catavento, Disal, Inovação, entre outros) também assumiram esse compromisso.

Estou convencido de que, muito brevemente, teremos a adesão da maioria absoluta das livrarias brasileiras. Afinal, são elas, as livrarias, as que mais sofrem com os desmandos praticados pelo mercado como um todo.

Da mesma forma, a Editora WMF Martins Fontes fará tudo o que estiver ao seu alcance para não permitir que seus lançamentos sejam vendidos (por um período de seis meses) com descontos superiores a 10%.

Sei que essa não é uma tarefa fácil. Mas, cá entre nós, o que é fácil nessa vida?

Lutar por um mercado editorial mais forte passa necessariamente por trabalhar por livrarias saudáveis.

Como editor, como livreiro e como diretor da Associação Nacional de Livrarias, não medirei esforços para trazer editoras, distribuidoras e livrarias para essa luta, que é de todos nós.

Peço para que as entidades do livro nos ajudem a levar essas reflexões para o maior número possível de editores brasileiros. Se todos apoiamos a Lei Cortez, por que não colocá-la em prática já?

Parafraseando meu amigo Rui Campos, “nenhuma livraria é dispensável e são todas insubstituíveis”.

A escritora carioca Rosiska Darcy de Oliveira, imortal da Academia Brasileira de Letras, declarou poucos dias atrás, na convenção da ANL, que a livraria é o lugar público mais próximo da intimidade da sua casa. Um lugar onde ela se sente empoderada.

As livrarias pertencem às pessoas: às crianças, às mulheres, aos jovens, aos idosos, a todas as famílias brasileiras.

Mais do que nunca, o destino de nossas livrarias e, consequentemente, o destino de todo o mercado editorial brasileiro está em nossas mãos.

Vamos à luta!

Alexandre Martins Fontes é Diretor Executivo da livraria Martins Fontes, localizada em São Paulo, e Publisher da editora WMF Martins Fontes. Formado pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, trabalhou como designer gráfico e ilustrador no Brasil e nos Estados Unidos.

Nota:

  1. Lei Cortez é um projeto de lei que tramita no Senado Federal com o objetivo de regulamentar o comércio varejista de livros, para proteger as livrarias de concorrência predatória. A lei brasileira foi proposta pela então senadora Fátima Bezerra (agora governadora reeleita no Rio Grande do Norte) em 2015. A inspiração veio da Lei Lang, em vigor na França há mais de 40 anos.
    Pela proposta, o preço de capa – determinado pela editora – deveria ser respeitado no primeiro ano de vida do livro. Nos 12 primeiros meses, a contar do lançamento, as varejistas deveriam praticar o preço de capa, oferecendo, no máximo, desconto de 10%. ↩︎

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  • Alexandre Martins Fontes

    Alexandre Martins Fontes é Diretor Executivo da livraria Martins Fontes, localizada em São Paulo, e Publisher da editora WMF Martins Fontes. Formado pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, trabalhou como designer gráfico e ilustrador no Brasil e nos Estados Unidos.

    martinsfontes@emilia.com.br Martins Fontes Alexandre

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