Escritoras imprescindíveis: uma seleção de Camilla Dias Domingues

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Em minha trajetória, alguns livros fizeram parte do meu percurso e de minha construção enquanto leitora e o mais importante, enquanto ser social. Humanizaram-me, tornaram-me mais solidária, desenvolveram em mim sentimentos de empatia, respeito, tolerância e amor ao próximo.

A literatura ficcional tem esse poder de representar a realidade de forma muito verossímil, retirando elementos do mundo real e trazendo para as narrativas, que se transformam em vivências que nos transformam e nos inspiram.

Nos próximos parágrafos, contarei um pouco de que forma alguns livros se relacionam comigo.

O livro Persépolis, da escritora iraniana Marjane Satrapi, e o livro Para poder viver, da escritora sul-coreana Yeonmi Park, são dois exemplos de força e coragem, duas mulheres que enfrentaram grandes obstáculos para sobreviver. Vivendo em outros países que não são os seus de origem, mostram-nos que lidar com questões tão sérias como guerra, xenofobia, imigração, política, feminismo, autoconhecimento de uma pessoa que luta para se integrar em um país que não é o seu, bem como, vivenciar o tráfico de pessoas, a violência sexual, a fome, e o abuso por ser imigrante não são questões fáceis e exigem de nós uma dose redobrada de empatia e solidariedade.

O livro Passarinha, de Kathryn Erskine, me fez repensar o tratamento dado às pessoas com deficiência intelectual e a importância da escuta, do acolhimento, da sensibilização e da orientação para evitar situações de violência, questões essenciais para que me tornar uma pessoa melhor.

Por lugares incríveis, da escritora Jennifer Niven, colocou-me frente à questões como o suicídio, os transtornos e sofrimentos mentais. A cada 40 segundos alguém no mundo se suicida, como ajudar estas pessoas para que não cheguem às vias de fato? Entre os maiores preventivos: o amor, a empatia e o tratamento médico especializado. Um tema que precisa de atenção e que é pouco discutido.

Sobre temas que abordam a questão racial – escravidão, pertencimento, imigração, desculturalização, violência racial, silenciamento da nossa história, representatividade positiva, identidade cultural, descolonização da mente – alguns livros de literatura ficcional foram bem significativos nesta minha trajetória.

Meu crespo é de rainha, escrito por bell hooks, é um livro cheio de representatividade, que fala sobre cabelos de pessoas negras, a maior marca de identidade racial além da cor da pele. Se considerarmos que o racismo pretere as pessoas pela aparência, o que as pessoas negras sentem primeiro é a discriminação por conta do cabelo crespo e isto acontece ainda na infância. Para mim e para meus filhos, que são pessoas que estão neste processo de construção do ser-leitor, este livro é importante porque ajuda na aceitação e no reconhecimento, bem como, na afirmação e reafirmação da beleza que existe nos diferentes tipos de cabelo.

O livro Kindred – laços de sangue, da escritora afro-americana Octavia E. Butler, história de uma jovem negra no período de escravidão, pré-guerra civil nos Estados Unidos, trouxe-me uma memória do meu inconsciente coletivo, me emociou demais pela verossimilhança na escrita e pela presença de personagens protagonistas femininas, negras e fortes.

O mesmo aconteceu ao ler o livro Heroínas negras brasileiras, da escritora nordestina Jarid Arraes. São textos em forma de cordel que relatam a história de grandes mulheres-heroínas-negras, nossas ancenstrais, seus atos de busca pela liberdade , sua resistência. Me fez bem e penso que fará bem ao/à jovem leitor (a) este livro para ter acesso à informações sobre a história do povo negro, aquela que não aprendemos na escola, que ficou para traz, escondida, silenciada, que não nos é mostrada.

No livro O ódio que você semeia, da escritora afro-americana Angie Thomas, temos a representatividade do jovem negro que vive numa sociedade segmentada, morador do gueto (ou da favela/periferia), tendo de lidar com o racismo entre outras questões. Apesar de ser uma história retratada nos EUA, onde o racismo tem características diferentes das do Brasil, ainda assim, é impossível não se reconhecer e não reconhecer este sistema tão excludente.

Esperança para voar, livro da jovem escritora zimbabuense Rutendo Tavengerwei, relata o encontro de duas jovens amigas num internato, em meio a uma grave crise política no Zimbábue. O que fala mais alto neste livro é a esperança que move estas duas personagens, o que dá um pouco mais de sentido para nossas relações raciais e de amizade, nos fazendo entender a superação e sobre como jovens no século XXI em diversos países, enfrentam perdas, rupturas, dores, miséria e autoritarismo.

E por fim, um livro que li faz pouco tempo, apesar de ser um livro de 1976, A bolsa amarela, da escritora brasileira Lygia Bojunga. Este livro nos faz refletir sobre o lugar de fala das crianças, sobre o fato delas também serem pessoas. A escritora ainda apresenta uma crítica bem bacana sobre as amarras e repressões que estão por trás do cerceamento da liberdade de se expressar, de pensar, de ser quem se deseja, do feminismo, da liberdade política, da censura por conta do período de ditadura militar em que o livro foi escrito. É uma leitura deliciosa, cheia de reflexão, inclusive reflexões da nossa atualidade.

Espero que as indicações ajudem também na formação de outras pessoas e que se tornem grandes leitores e apreciadores de boa literatura. Até mais!1Este texto integra o projeto “Literatura e Direitos Humanos: para ler, ver e contar”, uma ação do Ibeac e da Rede LiteraSampa, com apoio do Consulado Geral da República Federal da Alemanha em São Paulo e do Ministério das Relações Exteriores da Alemanha. São objetivos, disseminar informações de qualidade acerca dos Direitos Humanos e ampliar o repertório de leitores, a partir da seleção, leitura e debate de 50 obras literárias por 20 adolescentes e jovens mediadores de leitura da LiteraSampa. A lista de livros indicada por um grupo de escritores(as) e mediadores(as) de leitura, – Luiz Silva (Cuti), Rogério Pereira, Ana Maria Gonçalves, Letícia Lisboa, Camila Dias e Bel Santos Mayer, conta com “cartas aos jovens leitores” justificando suas escolhas. A Revista Emília é parceira do projeto e será um dos espaços de divulgação do projeto e de materiais produzidos pelos leitores. Para ler mais sobre este projeto leia também Carta a um(a) jovem leitor(a).


Notas

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    Este texto integra o projeto “Literatura e Direitos Humanos: para ler, ver e contar”, uma ação do Ibeac e da Rede LiteraSampa, com apoio do Consulado Geral da República Federal da Alemanha em São Paulo e do Ministério das Relações Exteriores da Alemanha. São objetivos, disseminar informações de qualidade acerca dos Direitos Humanos e ampliar o repertório de leitores, a partir da seleção, leitura e debate de 50 obras literárias por 20 adolescentes e jovens mediadores de leitura da LiteraSampa. A lista de livros indicada por um grupo de escritores(as) e mediadores(as) de leitura, – Luiz Silva (Cuti), Rogério Pereira, Ana Maria Gonçalves, Letícia Lisboa, Camila Dias e Bel Santos Mayer, conta com “cartas aos jovens leitores” justificando suas escolhas. A Revista Emília é parceira do projeto e será um dos espaços de divulgação do projeto e de materiais produzidos pelos leitores. Para ler mais sobre este projeto leia também Carta a um(a) jovem leitor(a).

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  • Camilla Dias Domingues

    É assistente social, mediadora de leitura e Influenciadora digital. Instagram: @camillaeseuslivros

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