Leitura e Resistência

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MAndruettto@revistaemilia.com Andruettto María Teresa

* [Na sequência da tradução em português publicamos o texto original em espanhol]

Antes da invenção da imprensa, quando cada livro era único e o conhecimento era transmitido de forma oral, ler era possibilidade, privilégio e poder reservado a muito poucos. É surpreendente saber quantos reis e imperadores eram analfabetos ainda na Idade Média. Quem lia eram os monges, e a biblioteca de uma sociedade, de um povo, estava depositada nessa teocracia.

Com a queda da concepção teocêntrica do mundo, a invenção da impressa (ou seja, dos modos de reprodução de um original) e o surgimento e desenvolvimento da burguesia (que ocorreram em paralelo), ler se tornou a atividade burguesa por excelência. Aí estão, para dizer, os personagens de Jane Austen e a Madame Bovary de Flaubert. Os burgueses liam (especialmente as burguesas) porque eram os únicos que podiam se dar ao luxo de ter o tempo livre necessário para a leitura. Leitura como entretenimento, que se estende até o final do século XIX (“a carne é triste e já li todos os livros”, dizia Stéphane Mallarmé em seu poema Brisa Marinha acusando o fim de uma época).

A leitura, assim como o ócio, foi por muito tempo direito de poucos, como podemos ver em Mulheres que leem são perigosas, o livro de Stefan Bollmann, que percorre imagens de leitoras desde o século XIII até os dias atuais. Mulheres lendo enquanto tomam chá na elegante sala de uma casa, ou com cachorrinhos chineses ou japoneses no colo, como na pintura de Charles Burton Barber de 1879, intitulada Garota Lendo com Cachorro.

Era preciso escapar do tumulto, que para a classe e a época nem era tanto tumulto assim, e buscar o recolhimento e encontrar uma tal distância do mundo, era preciso atingir um tal grau de paralisia e até mesmo de doença para desfrutar dessa leitura, que apenas as celas de um convento puderam ser propícias para uma situação de recolhimento semelhante, diz Tununa Mercado, em seu romance La Madriguera. Enfim, ler era um costume associado a uma classe, uma condição social, uma forma de vida hoje difícil de encontrar.

A literatura em sua forma escrita nem sempre esteve disponível para todos. Com seu caráter intimista e incitação ao sutil, ao delicado, à reflexão e ao ócio, a leitura foi por muito tempo um privilégio de alguns poucos. Uma mulher bem idosa me contava que, quando criança, enquanto bordava para contribuir com o precário orçamento familiar, costumava esconder um livro debaixo do bastidor e o retirava quando sua avó saía do cômodo, pois nessa casa só se lia aos domingos, único dia em que um pobre tinha direito a pensar e distrair-se (desviar a atenção daquilo que se faz por necessidade e colocar a atenção em outra coisa, em outras coisas).

A incorporação da leitura em setores sociais menos beneficiados nasce, como sabemos, com a revolução industrial e o imperativo de alfabetizar os trabalhadores para que aprendam a manejar as máquinas. E o que acontece é que esses trabalhadores, uma vez que aprendem a ler, começam a demandar leituras e provocam o surgimento dos gêneros chamados populares, desde o policial ou o fantástico até a ficção científica e o terror, que estabelecem novos modos de leitura mais rápidos e acabam sepultando, por serem lentos e tediosos, muitos romances preexistentes, mudando para sempre os modos de escrever e ler.

Ler como uma concessão divina para aqueles que abraçavam a vida religiosa. Ler como um passatempo refinado. Ler para resolver questões práticas. Com o passar dos anos, o conceito de ócio como tempo gratuito diminuiu (cada vez mais nos enchemos de coisas e parece que não precisamos que nos explorem, porque somos capazes de nos explorar a nós mesmos na adesão ao trabalho ou atividades extras) e o entretenimento encontrou outros recursos, inclusive no que diz respeito à necessidade e consumo de ficções. Assim, surgiram os filmes, as radionovelas, as fotonovelas, as telenovelas, as séries, os videoclipes, a ficção da vida nas redes sociais, os trinta minutos de fama negados a ninguém… então, por que ler hoje? Para que ler ficção hoje e no futuro?

O grande desafio da literatura é poder entrelaçar os diversos conhecimentos e os diversos códigos em uma visão multifacetada do mundo. Goethe queria escrever um romance sobre o universo; imaginar o romance como uma forma capaz de conter o universo parece ser um fato carregado de futuro. Lichtenberg disse que um poema sobre o espaço vazio poderia ser sublime, e surgiram John Cage ou a argentina Mirta Demisache e tantos outros escrevendo ou compondo no vazio. O escritor espanhol Juan Cruz escreveu em seu blog, em uma entrada de 14 de março de 2012:

“Veja, que eu já te falei, sobre Los demasiados libros, livro do ensaísta mexicano Gabriel Zaid, no qual ele se refere ao fato de que a humanidade publica um livro a cada trinta segundos. Supondo um preço médio de 30 dólares e uma espessura média de dois centímetros, seriam necessários 30 milhões de dólares e vinte quilômetros de estantes para a ampliação anual da biblioteca de Mallarmé. Os livros “são publicados com tanta velocidade que nos tornam a cada dia mais ignorantes – diz Juan Cruz – . Se alguém ler um livro por dia (cinco por semana), deixa de ler 4.000 publicados no mesmo dia. Seus livros não lidos aumentam 4.000 vezes mais do que seus livros lidos. Sua ignorância, 4.000 vezes maior do que sua cultura”.

Lemos para nos entreter, para nos divertir? Lemos porque temos tempo de sobra e não sabemos o que fazer com ele? Lemos para sermos cultos, para deixar de sermos ignorantes? É grave hoje ser ignorante, ser inculto, quando ser inculto já não parece corresponder a uma característica de classe, porque é possível pertencer às esferas mais altas, com alto grau de incultura? Falando de incultura, recentemente, em uma conversa com uma endocrinologista, soube que temos vários cérebros, três, pelo que me parece, um em cima do outro, assim colocados ao longo de milênios. O mais antigo de todos, o cérebro reptiliano, é alvo das neurociências e do neuromarketing (usado para fins comerciais, publicidade e venda de produtos desde 1952 e mais recentemente pelos assessores de imagem dos políticos neoliberais). Quem quiser se aprofundar nesse assunto pode pesquisar sobre Jürgen Klaric, especialista em estratégias empresariais com base em medições de estados emocionais, ensino de habilidades básicas e habilidades práticas, que se promove como o melhor e mais divertido vendedor do mundo. O método de Klaric se baseia em direcionar a mensagem para o cérebro mais primitivo (o cérebro reptiliano, diz a endocrinologista), que é muito elementar, trabalha muito rápido, serviu para que sobrevivêssemos e permanece lá, abaixo de outras duas camadas de cérebro mais evoluídas. Este cérebro não entende de dados ou abstrações, não analisa discursos longos, não se interessa pelo abstrato ou pelo intangível, reduz tudo a termos binários, busca palavras conhecidas, não se preocupa em verificar, não tem memória, nem futuro, nem passado, vive no presente e tem percepção basicamente visual, neutra.

O que a sociedade contemporânea, entregue ao monstro capitalista, quer?, pergunta Alain Badiou. Ela quer o que Jurgen Klaric ensina tão bem: que compremos tudo o que nos é oferecido; e que, se não podemos comprar, por favor, não incomodemos. Para essas duas coisas (consumir e não protestar), é preciso não ter nenhuma ideia de justiça, nenhuma ideia de um futuro diferente, nenhum pensamento gratuito. É o império do pensamento único, a busca pela uniformidade de opiniões e vozes, a instalação do que Pierre Bourdieu chamou de vulgata planetária: uma linguagem uniforme e sem afeto que empresários e altos funcionários, intelectuais da mídia e jornalistas de alto escalão concordaram em adotar com um vocabulário aparentemente sem origem (mundialização, flexibilidade, governabilidade, empregabilidade, tolerância zero, novas economias, pós-verdade e outras frases bonitas). Ou seja, um imperialismo simbólico liderado pelos defensores da revolução neoliberal, para os quais a imagem de modernização é deixar de lado as conquistas sociais e econômicas que custaram mais de cem anos de luta.

Imperialismo cultural/violência simbólica que se apoia em uma relação de comunicação feita para adornar a submissão. Diante disso, o sociólogo David Le Breton encontra modos de resistência que já foram modos habituais de ser e sentir: guardar silêncio e caminhar são hoje duas formas de resistência política, diz ele, que aposta em formas concretas de resistência diante da desumanização do presente. Sempre carregamos dispositivos que nos lembram que estamos conectados, diz ele, que nos avisam quando recebemos uma mensagem, que organizam nossas agendas na base do ruído. Nesse contexto, o silêncio implica uma forma de resistência, uma maneira de preservar uma dimensão interior diante das agressões externas. O silêncio nos permite ser conscientes da conexão que mantemos com esse espaço interior, tornando-a visível, enquanto o barulho a oculta. Outra maneira de nos conectarmos com nosso interior é caminhar, que se dá no mesmo silêncio. Talvez o maior problema seja que a comunicação eliminou os mecanismos próprios da conversa e se tornou altamente utilitarista com base em dispositivos portáteis. E a pressão psicológica que sofremos para adquiri-los é enorme.

Gostaria de me deter aqui, no aspecto não utilitário da leitura de ficção e no silêncio a que a leitura em profundidade nos conduz. Podemos ir abrindo brechas, em nossa rotina diária, para o silêncio, para ler, para pensar, para nos encontrarmos. Caminhar simplesmente, ler simplesmente, eliminando qualquer tipo de apreciação útil da prática, com a única intenção de contemplação, implica uma resistência contra o utilitarismo e também contra o racionalismo, que é seu principal beneficiário. Sem outro fim, pois a sua única finalidade é: a contemplação do mundo. Diante de um utilitarismo que concebe o mundo como um meio para a produção, aquele que caminha, que conversa cara a cara com o outro, que lê ou que se dá tempo para pensar, para se encontrar consigo mesmo, assimila o mundo como um fim em si mesmo. Formas de se rebelar contra as ordens que transformam todas e cada uma das interações humanas em um processo econômico.

Uma verdadeira atividade cultural deveria se encaminhar para que cada um se encontrasse consigo mesmo, se reconhecesse em seu interior, estabelecesse um diálogo íntimo sem sair de si mesmo, usando os instrumentos que a cultura disponibiliza. Mas, ao contrário, temos uma cultura cada vez mais voltada para as massas e menos para as pessoas, na qual é impossível se reconhecer. Também é importante resistir às formas invasivas da cultura por meio do silêncio. A verdade tem estrutura de ficção, dizem que Jacques Lacan disse isso em algum de seus seminários. A importância da ficção, da construção do relato, da leitura de relatos para a construção de nosso próprio relato de vida. A pergunta seria então: como fazer para contribuir não só para que as crianças e os jovens leiam, mas também para resistir em busca de algo mais profundo, para instalar um espaço vazio no qual possa se inserir o lugar do outro, para fazer com que vejamos aquilo que não era visto ou ver de outra maneira o que havíamos visto facilmente, e assim estabelecer a relação entre o que está com aquilo que não está.

Um bom livro pode dar aos leitores os meios para deixarem de ser meros receptores e se tornarem agentes de uma prática discursiva. Ao longo da escrita dessas notas, fui delineando algumas razões sobre por que e para que ler no futuro. Razões que retomo aqui: Não perder um instrumento privilegiado de intervenção sobre o mundo (um instrumento que, com seu recolhimento intimista e seu incentivo ao sutil, ao delicado, à reflexão e ao ócio, muitos gostariam que fosse privilégio de poucos) / Sustentar o direito de pensar e de nos distrair (desviar a atenção daquilo que nos obrigam, para prestar atenção em outras coisas) / Entrelaçar saberes diversos e diversos códigos em uma visão multifacetada do mundo / Atentar para a violência simbólica e para as práticas do imperialismo cultural / Distinguir o que se dirige ao nosso cérebro reptiliano e utilizar nossos cérebros mais evoluídos / Ter memória, futuro, passado / Ter direito a protestar, a imaginar um porvir, a exigir justiça / Imaginar formas concretas de resistência ante a crescente desumanização / Manter a salvo uma dimensão interior diante das agressões externas / Imaginar alternativas ao puramente utilitarista / Encontrar-nos com nós mesmos, reconhecer-nos em nosso interior, estabelecer um diálogo íntimo, construir o próprio relato de vida / Por foco, cabeça e coração na mesma direção / Acreditar no que se faz / Manifestar desacordo / Quebrar a ordem “natural”, tomando (no espaço invisível do trabalho que não deixa tempo para fazer outra coisa) o tempo que não temos para nos declararmos agentes de um mundo comum, no desejo de fazer ver o que não se vê, fazer ver de outra maneira aquilo que é visto demasiado facilmente ou ouvir como palavra aquilo que apenas é ouvido como ruído / Ter e ajudar outros a ter meios para deixar de ser meros receptores e buscar algo mais profundo, no caminho daquilo que – seguindo Rancière – chamaríamos emancipar. A necessidade de ler, acompanhar e não moralizar a experiência leitora e escritora, focalizando nessa experiência de liberdade que a leitura – mais especificamente a literatura – pode nos proporcionar, desde que compreendamos sua capacidade de nos possibilitar pensar, sentir e compreender, a nos colocarmos no lugar do outro.

Não existe literatura sem anomalia, sem ruptura, sem desvio. A literatura sempre está em busca do estranho, do incomum, do diferente, do particular, do especial. O protagonista sempre é alguém que tem diferenças com o sistema, com a sociedade ou com o mundo em que está inserido, sempre há algo no que é narrado que se desacomodou, e é exatamente isso que gera o relato.

Se a literatura é desafio, desvio do previsível, sugestão, anomalia, como levar a literatura para a escola, quando a escola supostamente é feita para ensinar coisas específicas e não o desafio, quando a proximidade da literatura implica que o leitor se afaste do habitual, do previsível, do esperado?

As boas narrativas estão carregadas de ambiguidade. A questão é que os assuntos (inclusão, discriminação, abuso, violência e muitas outras questões) deixem de ser o centro de um relato e de um personagem dentro de uma história. Que isso (desde o feminismo até a deficiência, desde a guerra até o racismo) possa entrar tangencialmente no processo de escrita primeiro e depois na leitura, para se abrir a uma densidade de sentidos.

Se quero falar de um terremoto ou de uma bomba, talvez não vá falar disso de forma direta, explícita, obscena (no sentido de totalmente exposto, frontal), mas sim de uma menina procurando sua boneca entre os escombros. Trata-se do singular, do pequeno que permite entender algo maior; trata-se do íntimo que pode nos dar uma ideia do público, do social. Ítalo Calvino, ao recriar o mito de Perseu e Medusa, diz que Perseu pode vencer a Medusa e lhe cortar a cabeça porque ele não a olha nos olhos, mas sim no reflexo dela no espelho do escudo; se não fosse assim, ele teria se petrificado diante do seu olhar. Isso acontece com a dureza de certos temas, um bom escritor precisa abordá-los de forma oblíqua, não olhando o assunto nos olhos, mas procurando seu reflexo; apenas dessa forma, o que lemos poderá ter várias leituras e interpretações, sem que fiquemos petrificados diante do que foi lido. Somente dessa forma será possível, ao ler, encontrar um lugar na narrativa. Não se trata de uma interpretação correta e outra incorreta, trata-se de um texto com riqueza suficiente para abrigar muitas interpretações e muitos interpretadores.

Um relato (ou um poema) não deveriam ser escritos para demonstrar ou ensinar nada. Em um bom livro, não deveria se notar nenhuma tese, nenhuma costura, nenhuma intenção predefinida. Também quem oferece a leitura (como seria o caso de um professor) não deveria usar esse texto para demonstrar ou explicar, mas para criar as condições (um espaço de tempo de questionamento e espera para reunir os fios que cada leitor traz) para que o texto fale, diga suas múltiplas verdades aos seus leitores.

O grande desafio da literatura é não cair em clichês moralistas e evitar a pretensão de dizer ao leitor como ele deveria olhar para o mundo e como ele deveria entender o livro que lhe aproximamos. Dever-se-ia abandonar a ideia de deixar uma mensagem; na verdade, um conto, um poema, um romance pode nos deixar não uma, mas muitas mensagens, desde que não a condicionemos a uma interpretação unívoca. Embora os assuntos mudem, o desafio continua sendo não chegar a um texto para aprender algo mais importante do que o próprio texto. Se assim o fizermos, o que foi lido nos levará desprevenidos para o lugar de outra pessoa que narra, para olhar para um mundo e personagens que talvez nunca tínhamos visto ou até mesmo nunca veremos no mundo real. Dessa forma, a literatura amplia nossa visão de mundo, nos permite ver coisas que de outra forma talvez não veríamos, nos tira do nosso egocentrismo, nos faz olhar de outros ângulos. Também nos mostra que não há apenas uma maneira de entender as coisas, que outros podem entendê-las de maneira diferente e que cada pessoa tem razões (mesmo que nos pareçam erradas) ou condições adversas ou favoráveis suficientes para fazer o que faz. Também nos mostra que uma mesma língua pode ser falada de muitas maneiras e que cada maneira corresponde à singularidade de cada indivíduo. Nos leva a fazer perguntas sobre o mundo, sobre as condições sociais, sobre as formas de vida, sobre os sentimentos. Perguntas, não respostas. Perguntas, para que cada um encontre suas próprias respostas.

O que é a mensagem? Algo que pode se desprende do relato e é considerado como o mais importante. Essa pretensão coloca a literatura em um lugar ruim, pois a transforma em um veículo para transmitir certos ensinamentos. A leitura nos leva por diversos caminhos, a muitas possibilidades de imaginar mundos ou prestar atenção ao mundo que conhecemos, desde que não nos indiquem o que devemos entender, como se fôssemos meros receptores do que os outros acreditam ou pensam.

Os perigos da didática. Em uma leitura há algo que tenho que descobrir, algo que está oculto, e para descobri-lo tenho que colocar em jogo o que sou, tenho que questionar a mim mesmo, tenho que me fazer perguntas sobre o que estou lendo. Esse desafio me compromete inteiramente, pois entro no texto com todas as minhas experiências de vida e minhas experiências de leitura prévias. Não se trata, então, de mensagens, muito menos de uma mensagem ou uma interpretação, mas sim de muitas possibilidades que o texto convoca de acordo com a experiência de cada leitor, de acordo com suas condições, de acordo com outras leituras já feitas, de acordo com a escuta e o espaço para a interrogação que o mediador e/ou o próprio texto provocam.

Ao aproximar crianças e jovens ao mundo da leitura, torna-se mais importante do que nunca escolher o que se lê, quais livros, saber por que os escolhemos e, nessa escolha consciente, se estamos em um espaço de formação, também resistir em ser meros repetidores do que os outros fazem ou dizem que devemos fazer. E, acima de tudo, o que fazer com esses livros, como permitir que sejam, sem impor uma interpretação, mas sim estar muito atentos ao que aparece. Eu diria que o poder de um mestre formador de leitura está principalmente nos livros que escolhe (quanto melhor leitor for, mais rica será essa escolha) e nas condições (de tempo, espaço, frequência e especialmente de escuta) que seja capaz de criar para que os alunos/integrantes do grupo se interessem por essas leituras e se sintam livres para expressar uma palavra própria sobre o que foi lido.

As leituras que nos modificam não são assépticas e tranquilizadoras, pelo contrário, nos perturbam, nos sacodem, nos tiram da sonolência. Ler para despertar, para não viver adormecidos. Se o que é revelado pela literatura é uma palavra que desorganiza o mundo e lhe dá um novo significado, então devemos nos desorganizar para permitir que pensemos, sintamos e digamos coisas novas. É a desordem própria da complexidade que a escola precisa.

Qual o lugar da literatura na escola? O que esperamos dela? O que de específico ela tem para contribuir que outras disciplinas, conhecimentos ou experiências ainda não tenham contribuído? Qual é a importância na vida escolar da construção de relatos, do desenvolvimento da imaginação, da percepção da voz da linguagem? Por que trazer tudo isso para a escola? E, em qualquer caso, como levar isso sem se esquematizar ou romper?

Há uma premissa (que conserva algum grau de verdade, mas que foi estereotipada a ponto de não nos permitir pensar de maneira mais profunda), um slogan repetido por todos: a leitura por prazer, o prazer visto como um contato espontâneo com os livros, sem intervenção do professor, considerando essa intervenção muitas vezes como um obstáculo para o prazer. Falsa oposição entre leitura literária (considerada prazerosa) e a leitura de estudo. O literário divorciado do ensino. Seria bom lembrar que muitas crianças, especialmente aquelas que pertencem a setores afetados por várias crises econômicas e sociais em nossos países, começam sua relação com a leitura na escola.

A leitura é uma ferramenta de intervenção no mundo, uma possibilidade de levantar questões, de discutir, de trocar percepções e construir um julgamento próprio. Um bom leitor é aquele que se coloca algumas perguntas a partir do que lê. Devemos ser capazes de criar um espaço propício para essas perguntas.

Em princípio, a literatura não é servil a nenhuma questão externa a si mesma e é por isso que precisamos dela. Não sabemos para que serve, para muito e para nada. Pode, por exemplo, nos levar a nos colocar no lugar do outro, vislumbrar uma cena da vida de alguém. Pode assim nos levar a uma zona de maior empatia e a uma maior compreensão da complexidade humana. Pode trazer vozes, modos de falar e de sentir de outros, pode nos tirar do nosso egocentrismo na apreciação de singularidades de vida, de fala, geográficas, sociais.

Não devemos esquecer que os chamados livros para crianças ou para jovens ainda são, em muitas ocasiões, livros vigiados, e então é muito fácil que apareçam mandatos, estereótipos e superficialidades que mudam e se reciclam de mil maneiras. Há muitos livros que respondem ao clichê da literatura juvenil e transitam pelos tópicos da vida de crianças e jovens, mas se falamos de literatura, já não sabemos dizer quais são as características que os uniformizam.

Para que serve um professor?

O escritor norte-americano Kurt Vonnegut diz que as ascensões e descensos das histórias que contamos são questões artificiais porque pressupõem que sabemos mais sobre a vida do que realmente sabemos. Pressupõem que sabemos quais são as boas e más notícias, mas o que ocorre é que nem sempre sabemos o suficiente para perceber o que está acontecendo no momento em que está acontecendo. Enfim, que raramente os seres humanos percebemos o momento em que somos felizes. Estamos, por exemplo, sentados debaixo de uma árvore, tomando um refresco, numa tarde de verão, conversando sobre isso ou aquilo, vendo um pássaro voar ou uma flor se abrir e não percebemos sua beleza. Ele diz que tem um tio que, diante de um momento assim, pararia tudo e diria: “Se isso não é bonito, então eu não sei o que é bonito”. E diz também que seria bom aplicar isso, de vez em quando, à própria vida, estar atento para perceber o que é bonito e o que não é. Depois, pede aos seus ouvintes que levantem a mão. E então, pede para deixarem a mão levantada apenas aqueles que tiveram algum dia, em qualquer momento e circunstância da vida, um professor que os tenha feito se sentirem orgulhosos de estarem vivos, felizes por estarem vivos. Então, pede para aqueles que estão com a mão levantada dizerem o nome desse professor ou dessa pessoa que agiu como um professor, à que está ao seu lado e vê como cada um deles sussurra algo ao ouvido do vizinho.

– Terminaram? pergunta.

E então, diz: “Se isso não é bonito, eu não sei mais o que é bonito!” E pede – “Música maestro!” E sai de cena.

Um bom professor pode fazer com que uma criança se sinta, em algum momento, orgulhosa de estar viva, feliz por alcançar uma certa dignidade em sua vida. Para isso, um professor deve ser capaz – por meio de palavras e olhares – de restituir ao outro toda a dignidade que tem e que, às vezes, tenta-se arrebatar de mil maneiras. Não poucas vezes, a literatura, em uma de suas formas (um poema, uma canção, um conto, um romance), chega pelas mãos de um professor à vida de uma criança ou de um adulto para ajudá-lo a restituir sua identidade e sua dignidade.

Tradução: Dolores Prades

Imagem: Ilustração de Akira Kusaka.

* [Texto original em espanhol]

Lectura y Resistencia

Antes de la invención de la imprenta, cuando cada libro era único y el saber se transmitía de forma oral, leer era posibilidad, privilegio y  poder reservados a muy pocos. Sorprende conocer cuántos reyes y  emperadores eran todavía, en la edad media, analfabetos. Leían los monjes, y en esa teocracia estaba depositada la biblioteca de una sociedad, de un pueblo.

Con la caída de la concepción teocéntrica del mundo, la invención de la imprenta (es decir de los modos de reproducción de un original) y el nacimiento y desarrollo de la burguesía (que sucedieron en paralelo), leer se convirtió en la actividad burguesa por excelencia. Ahí están si no, para decirlo, los personajes de Jane Austen y la Madame Bovary de Flaubert. Leían los burgueses (y especialmente las burguesas) porque eran los únicos que podían permitirse el ocio necesario para la lectura. Lectura como entretenimiento, que se prolonga hasta muy avanzado el siglo XIX (la carne es triste y ya leí todos los libros, decía Stéphane Mallarmé en su poema Brisa Marina, acusando el final de una época).

La lectura, tal como el ocio, fue por mucho tiempo derecho de pocos, como puede apreciarse en Las mujeres que leen son peligrosas, el libro de Stefan Bollmann, que recorre imágenes de lectoras, desde el siglo XIII hasta el presente. Mujeres leyendo mientras toman té en la sala preciosa de una casa, o con perritos chinos o japoneses en la falda, como en el cuadro de Charles Burton Barber de 1879 titulado Muchacha leyendo con doguillo.

Había que dejar el tumulto, que para la clase y la época no era tan tumultuoso, y buscar el encierro y encontrar una tal distancia del mundo, había que lograr tal grado de parálisis y aun de enfermedad para poder gozar de esa lectura, que sólo las celdas de un convento habrían sido propicias para una semejante situación de recogimiento, dice Tununa Mercado, en su novela La Madriguera. En fin, leer era una costumbre asociada a una clase, una condición social, un modo de ser, a formas de vida hoy difíciles de encontrar.

La literatura en su forma escrita, no estuvo siempre a disposición de todos. Con su repliegue intimista y su incitación a lo sutil, lo delicado, la reflexión y el ocio, la lectura fue por mucho tiempo privilegio de unos pocos. Una mujer muy mayor me contaba que, cuando niña, mientras bordaba para aportar al precario presupuesto familiar, solía esconder un libro debajo del bastidor y lo sacaba cuando su abuela se retiraba de la habitación, porque en esa casa se leía los domingos, único día en que un pobre tenía derecho a pensar y a distraerse (apartar la atención de aquello que se hace por necesidad, para poner atención en otra cosa, en otras cosas).

El ingreso de la lectura en sectores sociales menos beneficiados, nace, como sabemos, con la revolución industrial y el imperativo de alfabetizar a los obreros para que aprendan a manejar las máquinas. Y lo que sucede es que esos obreros, una vez que han aprendido a leer, comienzan a demandar lecturas y provocan el nacimiento de los géneros llamados populares, desde el policial o el fantástico hasta la ciencia ficción y el terror, que instauran nuevos modos de leer más veloces y terminan sepultando, por lentas y tediosas, muchas novelas preexistentes, cambiando para siempre los modos de escribir y de leer. Leer como una concesión divina a quienes abrazaban la vida religiosa. Leer como un pasatiempo refinado. Leer para resolver cuestiones prácticas. Con los años, el concepto de ocio como tiempo de gratuidad, disminuyó (cada vez más nos llenamos de cosas y pareciéramos ni necesitar que nos exploten porque somos capaces de explotarnos a nosotros mismos en la adicción al trabajo o a las actividades extras) y el entretenimiento encontró otros recursos, incluso en lo que respecta a la necesidad y el consumo de ficciones. Así llegaron las películas, las radionovelas, las fotonovelas, las telenovelas, las series, los videoclips, los animé, la vida ficcionalizada en las redes, los treinta minutos de fama que a nadie se le niegan…, entonces, ¿por qué leer hoy? ¿para qué leer ficción hoy y en el futuro?

El gran desafío de la literatura es poder entretejer los diversos saberes y los diversos códigos en una visión facetada del mundo. Goethe quería hacer una novela sobre el universo; imaginar la novela como una forma capaz de contener el universo parece ya un hecho cargado de futuro. Litchtenberg dijo que un poema sobre el espácio vacío podría ser sublime, y aparecieron John Cage o la argentina Mirta Demisache y tantos otros escribiendo o componiendo en la nada. El escritor español Juan Cruz, escribió en su blog, en una entrada del14 de marzo de 2012:

“Mira que te lo tengo dicho, acerca Los demasiados libros”, sobre un libro del ensayista mexicano Gabriel Zaidven el que refiere que la humanidad publica un libro cada medio minuto. Suponiendo un precio medio de 30 dólares y un grueso medio de doscentímetros, harían falta 30 millones de dólares y veinte kilómetros deanaqueles para la ampliación anual de la biblioteca de Mallarmé. Loslibros “se publican a tal velocidad que nos vuelven cada día másincultos – dice Juan Cruz –. Si alguien lee un libro diario (cinco porsemana), deja de leer 4.000 publicados el mismo día. Sus libros noleídos aumentan 4.000 veces más que sus libros leídos. Su incultura,4.000 veces más que su cultura”.

¿Leemos para entretenernos, para divertirnos? ¿Leemos porque nos sobra tiempo y no sabemos qué hacer con él? ¿Leemos para ser cultos, para dejar de ser ignorantes? ¿Es grave hoy ser ignorantes, ser incultos, hoy que ser incultos ya no parece corresponder a un rasgo de clase, porque se puede pertenecer a las más altas esferas, con alto grado de incultura? Hablando de incultura, hace poco, en una conversación con una endocrinóloga, supe que tenemos varios cerebros, tres me parece, uno sobre otro, encimados a lo largo de milenios. Al más antiguo de todos, el cerebro reptiliano, apelan la neurociencia y el neuromarketing (usado para fines comerciales, publicidad y venta de productos, desde 1952, y más recientemente por los asesores de imagen de los políticos neoliberales). Quien quiera sumergirse en este asunto puede googlear a Jürgen Klaric, especialista en estrategias empresariales basadas en mediciones de estados emocionales, enseñanza de competencias básicas y habilidades prácticas, que se promociona a sí mismo como el mejor y más entretenido vendedor del mundo. El método de Klaric se basa en dirigir el mensaje a lo más primitivo del cerebro humano (el cerebro reptiliano, dice la endocrinóloga) que es muy elemental, trabaja muy rápido, sirvió para que sobreviviéramos y quedó ahí, abajo de otras dos capas de cerebro más evolucionado. Este cerebro no entiende de datos ni abstracciones, no analiza discursos largos, no le interesa lo abstracto ni lo intangible, lleva todo a términos binarios, busca palabras conocidas, no se ocupa de comprobar, no tiene memoria, ni futuro, ni pasado, vive en el ahora y tiene una percepción básicamente visual.

¿Qué quiere la sociedad contemporánea, entregada al monstruo capitalista?, se pregunta Alain Badiou. Quiere eso que tan bien enseña Jurgen Klaric: que compremos todo lo que se nos ofrece; y que, si no podemos comprar, por favor no molestemos. Para estas dos cosas (consumir y no protestar) es preciso no tener ninguna idea de justicia, ninguna idea de otro porvenir, ningún pensamiento gratuito. Es el arrasamiento del pensamiento único, la búsqueda de uniformidad en opiniones y voces, la instalación de lo que Pierre Bourdieu llamó vulgata planetaria: un idioma uniforme y desafectivizado en el que patrones y altos funcionarios, intelectuales de los medios y periodistas de alto vuelo, se han puesto de acuerdo para hablar con un vocabulario aparentemente sin origen (mundialización, flexibilidad, gobernabilidad, empleabilidad, tolerancia cero, nuevas economías, pos verdad y otras lindezas). O sea, un imperialismo simbólico guiado por los partidarios de la revolución neoliberal, para quienes la imagen de la modernización es dejar a un lado las conquistas sociales y económicas que costaron más de cien años de lucha.

Imperialismo cultural/violencia simbólica que se apoya en una relación de comunicación hecha para adornar la sumisión. Ante esto, el sociólogo David Le Breton encuentra modos de resistencia que en un tiempo fueron modos habituales de ser y de sentir: Guardar silencio y caminar son hoy día dos formas de resistencia política, dice quien apuesta por formas concretas de resistencia ante la deshumanización del presente. Siempre llevamos encima dispositivos que nos recuerdan que estamos conectados, dice, que nos avisan cuando hemos recibido un mensaje, que organizan nuestros horarios a base de ruido. En este contexto, el silencio implica una forma de resistencia, una manera de mantener a salvo una dimensión interior frente a las agresiones externas. El silencio nos permite ser conscientes de la conexión que mantenemos con ese espacio interior, la visibiliza, mientras que el ruido la oculta. Otra manera que tenemos de conectar con nuestro interior es el caminar, que transcurre en el mismo silencio. Quizá el mayor problema es que la comunicación ha eliminado los mecanismos propios de la conversación y se ha hecho altamente utilitarista a base de dispositivos portátiles. Y la presión psicológica que soportamos para hacer acopio de ellos es enorme.

Quisiera detenerme aquí, en lo no utilitario de la lectura de ficción y en el silencio en el que nos sume la lectura en profundidad. Podemos ir abriendo en nuestra rutina diaria huecos para el silencio, para leer, para pensar, para encontrarnos con nosotros mismos. Caminar porque sí, leer porque sí, eliminando de la práctica cualquier tipo de apreciación útil, con una intención decidida de contemplación, implica una resistencia contra el utilitarismo y de paso también contra el racionalismo, que es su principal benefactor. Sin más fin, porque ése es todo su fin: la contemplación del mundo. Frente a un utilitarismo que concibe el mundo como un medio para la producción, quien camina, quien conversa con el otro cara a cara, quien lee o se toma el tiempo para pensar, para encontrarse consigo mismo, asimila el mundo como un fin en sí mismo. Formas de rebelarse contra las órdenes que convierten todas y cada una de las interacciones humanas en un proceso económico.

Una verdadera actividad cultural debería ir encaminada a que cada uno se encontrara consigo mismo, se reconociera en su interior, entablara un diálogo íntimo sin salir de sí, ayudándose de los instrumentos que la cultura pone a su alcance. Pero en lugar de eso tenemos una cultura que es cada vez más de masas y menos de personas, en la que es imposible reconocerse. También es importante oponer resistencia a las formas invasivas de la cultura mediante el silencio. La verdad tiene estructura de ficción, dicen que dijo alguna vez Jacques Lacan en sus seminarios. La importancia de la ficción, de la construcción del relato, de la lectura de relatos para la construcción del propio relato de vida. La pregunta sería entonces, cómo hacer para contribuir ya no sólo a que los niños y los jóvenes lean, sino para resistir en busca de algo más profundo, para instalar un lugar vacío donde puede insertarse el lugar de un otro, para hacer ver aquello que no era visto o ver de otra manera lo que habíamos visto demasiado fácilmente y así poner en relación lo que está con aquello que no está.

Un buen libro puede dar a los lectores los medios para que dejen de ser meros receptores y se conviertan en agentes de una práctica discursiva. A lo largo de la escritura de estos apuntes, fui marcando algunas razones acerca de: ¿por qué y para qué leer en el futuro? Razones que aquí repaso:

No perder un instrumento privilegiado de intervención sobre el mundo (un instrumento que con su repliegue intimista y su incitación a lo sutil, lo delicado, la reflexión y el ocio, muchos quisieran que fuera privilegio de unos pocos) / Sostener el derecho a pensar y a distraernos (apartar la atención de aquello a que nos obligan, para poner atención en otras cosas) / Entretejer saberes diversos y diversos códigos en una visión facetada del mundo / Advertir la violencia simbólica y las prácticas del imperialismo cultural / Distinguir lo que se dirige a nuestro cerebro reptiliano y utilizar nuestros cerebros más evolucionados / Tener memoria, futuro, pasado / Tener derecho a protestar, a imaginar un porvenir, a exigir justicia / Imaginar formas concretas de resistencia ante la deshumanización creciente / Mantener a salvo una dimensión interior frente a las agresiones externas / Imaginar alternativas a lo puramente utilitarista / Encontrarnos con nosotros mismos, reconocernos en nuestro interior, entablar un diálogo íntimo, construir el propio relato de vida / Poner vista, cabeza y corazón en la misma mira / Creer en lo que uno hace / Manifestar disenso / Romper el orden “natural”, tomándonos (en el espacio invisible del trabajo que no deja tiempo para hacer otra cosa) el tiempo que no tenemos para declararnos partícipes de un mundo común, en el deseo de hacer ver lo que no se ve, hacer ver de otra manera aquello que es visto demasiado fácilmente u oír como palabra aquello que sólo es oído como ruido / Tener y ayudar a otros a tener medios para dejar de ser meros receptores e ir en busca de algo más profundo, en el camino de eso que –siguiendo a Rancière – llamaríamos emancipar.

La necesidad de leer, acompañar y no moralizar la experiencia lectora y escritora, focalizando en esa experiencia de libertad que la lectura – más específicamente la literatura – puede proporcionarnos, a condición de que comprendamos su capacidad para movernos a pensar, a sentir y a comprender, a ponernos en el lugar de un otro.

No existe literatura sin anomalía, sin ruptura, sin desvío. La literatura siempre va en busca de lo extraño, de lo infrecuente, de lo diferente, de lo particular, de lo especial. El protagonista siempre es alguien que tienen diferencias con el sistema, con la sociedad o con el mundo en el que está inserto, siempre hay en lo que se narra algo que se ha desacomodado, y es precisamente eso lo que genera relato.

Si la literatura es desafío, desvío de lo previsible, sugerencia, anomalía, ¿de qué modo llevar la literatura a la escuela, cuando la escuela está supuestamente hecha para enseñar cosas específicas y no para el desafío, mientras que el acercamiento a la literatura implica al lector salirse – correrse – de lo habitual, de lo previsible, de lo esperado?

Los buenos relatos están cargados de ambigüedad. La cuestión es que los asuntos (inclusión, discriminación, abuso, violencia y otras muchas cuestiones) dejen de ser el centro de un relato y de un personaje dentro de una historia. Que eso (desde el feminismo hasta la discapacidad, desde la guerra hasta el racismo) pueda entrar al sesgo en el proceso de escritura primero y luego en la lectura para abrirse a una densidad de sentidos.

Si quiero hablar de un terremoto o de una bomba, tal vez no voy a hablar de eso de forma directa, explícita, obscena (en el sentido de totalmente expuesto, frontal) sino de una niña buscando su muñeca entre los escombros. Se trata de lo singular, lo pequeño que permite entender algo más grande; se trata de lo íntimo que puede darnos una idea de lo público, de lo social. Ítalo Calvino dice reciclando el mito de Perseo y la Medusa, que Perseo puede vencer a la Medusa y cortarle la cabeza porque no la mira a los ojos, sino que mira su reflejo en el espejo del escudo; de no haber sido así, se hubiera petrificado ante su mirada. Eso sucede con la dureza de ciertos asuntos, un buen escritor debe entrar en ellos de modo oblicuo, no mirando el asunto a los ojos sino buscando su reflejo; solo de ese modo, lo que leemos podrá tener numerosas lecturas e interpretaciones sin que nos quedemos como de piedra ante lo leído. Solo de ese modo podremos, al leer, hacernos un lugar en el relato. No se trata de una interpretación correcta y otra incorrecta, se trata de un texto con la suficiente riqueza como para cobijar muchas interpretaciones y muchos interpretadores.

Un relato (o un poema) no debieran ser escritos para demostrar ni enseñar nada. En un buen libro no debiera notarse ninguna tesis, ninguna costura, ninguna intención predeterminada. Tampoco quien ofrece lectura (como sería el caso de un maestro) debiera usar ese texto para demostrar ni explicar, sino para crear las condiciones (un espacio tiempo de interrogación y de espera para recoger los hilos que cada lector aporta) para que el texto hable, diga sus múltiples verdades a sus lectores.

El gran desafío de la literatura es no incurrir en clichés moralistas y evitar la pretensión de decirle al lector cómo tendría que mirar el mundo y como tendría que entender ese libro que le acercamos. Habría que abandonar la idea de dejar un mensaje; de hecho, un cuento, un poema, una novela puede dejarnos no uno sino muchos mensajes, a condición de que no la condicionemos a una interpretación unívoca. Aunque cambien los asuntos, el desafío sigue siendo no llegar a un texto para aprender otra cosa que sea más importante que el texto. Si así lo hacemos, lo leído nos tomara desprevenidamente para llevarnos al lugar de otro que narra, para desde ese otro, mirar un mundo y unos personajes que tal vez nunca habíamos visto o incluso nunca veremos en el mundo real. De ese modo, la literatura ensancha nuestra visión del mundo, nos permite ver cosas que de otro modo tal vez no veríamos, nos corre de nuestro egocentrismo, haciendo que miremos desde otros ángulos. Nos muestra también que no hay una sola manera de entender las cosas, que otros pueden entenderlas de otro modo y que cada persona tiene razones (aun cuando nos parezcan equivocadas) o condiciones lo suficientemente adversas o beneficiosas para hacer lo que hace. También nos muestra que una misma lengua se puede hablar de muchos modos y que cada modo corresponde a la singularidad de cada individuo. Nos conduce a hacernos preguntas sobre el mundo, sobre las condiciones sociales, sobre las formas de vida, sobre los sentimientos. Preguntas, no respuestas. Preguntas, para que cada uno vaya encontrando sus respuestas.

¿Qué es el mensaje? Algo que se desprende del relato y que se considera como lo importante. Esa pretensión pone a la literatura en un mal lugar, porque la transforma en un vehículo para que cierta enseñanza se transmita. La lectura conduce a diversos caminos, a muchas posibilidades de imaginar mundos o de prestar atención al mundo que conocemos, siempre que no nos indiquen qué debemos entender, como si fuéramos simples depositarios de lo que otros creen o piensan.

Los peligros de la didáctica. En una lectura hay algo que tengo que descubrir, algo que está oculto, y para descubrirlo tengo que poner en juego lo que soy, tengo que ponerme en cuestión, tengo que hacerme preguntas en torno a lo que leo. Ese desafío me compromete enteramente, porque entro al texto con todas mis experiencias de vida y mis experiencias de lectura previas. No se trata entonces de mensajes, mucho menos de un mensaje o de una interpretación, sino de muchas posibilidades que el texto convoca según la experiencia de cada lector, según sus condiciones, según otras lecturas que ya tenga, según la escucha y el espacio abierto a interrogación que el mediador y/ o el propio texto provoquen.

A la hora de acercar a niños y jóvenes al mundo de la lectura, se vuelve más importante que nunca elegir qué se lee, qué libros, saber por qué los elegimos y en esa elección a conciencia, si estamos en un espacio de formación, también resistirnos a ser meros repetidores de lo que otros hacen o dicen que hay que hacer. Y sobre todo qué hacer con esos libros, cómo dejarlos ser, sin imponer una interpretación sino muy atentos a lo que aparece. Diría que la potencia de un maestro formador de lectura está sobre todo en los libros que elije (cuanto mejor lector sea, más rica será esa elección) y en las condiciones (de tiempo/espacio/frecuencia y muy especialmente de escucha) que sea capaz de crear para que los alumnos/miembros del grupo se interesen en esas lecturas y se sientan en libertad de decir una palabra propia acerca de lo leído.

Las lecturas que nos modifican, no son asépticas y tranquilizadoras, más bien nos perturban, nos sacuden, nos sacan de la modorra. Leer para despertar, para no vivir adormecidos. Si lo que se revela con la literatura es una palabra que desordena el mundo y lo resignifica, desorganizarnos entonces para permitirnos pensar, sentir y decir nuevas cosas. Es el desorden propio de la complejidad lo que la escuela necesita.

¿Cuál es el lugar de la literatura en la escuela? ¿Qué esperamos de ella? ¿Qué de específico puede aportar que no hayan aportado ya otras disciplinas, conocimientos, experiencias? ¿Qué importancia tienen en la vida escolar la construcción de un relato, el desarrollo del imaginario, la percepción de la voz del lenguaje? ¿Para qué llevar todo eso a la escuela? Y, en todo caso, ¿cómo llevarlo sin que se esquematice ni se rompa?

Hay una premisa (que conserva su parte de verdad pero que se ha estereotipado tanto que no nos deja pensar de un modo más profundo), un slogan por todos repetido: la lectura por placer, placer visto como contacto espontáneo con los libros, sin intervención docente, esa intervención docente considerada muchas veces como obstáculo del placer. Falsa oposición entre lectura literaria (considerada placentera) y lectura de estudio. Lo literario divorciado de la enseñanza. Sería bueno recordar que muchos niños y, sobre todo los que pertenecen a sectores golpeados por las diversas crisis económicas y sociales de nuestros países, inauguran su relación con la lectura en la escuela.

La lectura es un instrumento de intervención sobre el mundo, una posibilidad de dar lugar a las preguntas, a la discusión, al intercambio de percepciones y a la construcción de un juicio propio. Un buen lector es aquel que se pregunta algunas cosas a partir de lo que lee. Debemos ser capaces de generar un espacio propicio para esas interrogaciones.

En principio, literatura no es servil a ninguna cuestión externa a sí misma y es por eso que la necesitamos. No sabemos para que sirve, para mucho y para nada. Puede, por ejemplo, llevarnos a ponernos en el lugar de un otro, atisbar una escena de la vida de alguien. Puede así llevarnos a una zona de mayor empatía y a una mayor comprensión de la complejidad humana. Puede traernos voces, modos de hablar, de pensar y de sentir de otros, puede sacarnos de nuestro egocentrismo en la apreciación de singularidades de vida, de habla, geográficas, sociales.

No debemos olvidar que los llamados libros para niños o para jóvenes son todavía en muchas ocasiones, libros vigilados, y entonces es muy fácil que aparezcan mandatos, estereotipos y superficialidades que mutan y se reciclan de mil maneras. Hay muchos libros que responden al clisé literatura juvenil y transitan por los tópicos de la vida de niños y jóvenes, pero si hablamos de literatura, ya no sabemos decir de características que los uniformen.

¿Para qué sirve un maestro?

El escritor norteamericano Kurt Vonnegut dice que las subidas y bajadas de las historias que contamos son cuestiones artificiales porque presuponen que sabemos de la vida más de lo que realmente sabemos. Suponen que sabemos cuáles son las buenas y las malas noticias, pero lo que sucede es que no siempre sabemos lo suficiente como para darnos cuenta de lo que sucede en el momento en que eso sucede. En fin, que rara vez los seres humanos nos damos cuenta del momento en que somos felices. Estamos, por ejemplo, sentados bajo un árbol, tomando un refresco, una tarde de verano, hablando de esto o aquello, viendo volar un pájaro o abrirse una flor y no advertimos su hermosura. Dice que él tiene un tío que ante un momento así pararía todo y diría: Si esto no es bonito, entonces yo ya no sé lo que es bonito. Y dice también que sería bueno aplicar eso, de vez en cuando, a la propia vida, estar atento como para darnos cuenta de qué es bonito y que no lo es. Después, le pide a los que lo están escuchando que levanten la mano. Y luego, que dejen la mano levantada solo aquellos que han tenido alguna vez, en cualquier momento y circunstancia de la vida, un maestro que los haya hecho sentir orgullosos de estar vivo, felices de estar vivo. Entonces pide que esos de la mano levantada, digan el nombre de ese maestro o de esa persona que actuó como un maestro, al que tienen a su lado y ve como cada uno de ellos susurra algo al oído del vecino.

¿Ya está?, pregunta.

Y cuando ve que está, dice: ¡Si esto no es bonito, yo ya no sé qué es bonito!, pide Música maestro! Y se retira de escena. Un buen maestro puede hacer que un niño o una niña se sienta en algún momento orgulloso de estar vivo, feliz de alcanzar en su vida cierta dignidad. Para eso un maestro debe poder – palabras y mirada mediante –  restituirle al otro toda la dignidad que el otro tiene y que a veces se le intenta de mil maneras arrebatar. No pocas veces la literatura, en alguna de sus formas (un poema, una canción, un cuento, una novela) llega de la mano de un maestro a la vida de un niño o un grande para ayudarle a restituir su identidad y su dignidad.

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  • María Teresa Andruettto

    María Teresa Andruetto nasceu em Córdoba, Argentina. Entre seus livros infantis e juvenis estão Veladuras, “La durmiente”, El país de Juan e El Incendio. Publicou Stefano, El anillo encantado, Huellas em la arena e La mujer vampiro pela Editorial Sudamericana, além dos romances adultos La Mujer en Cuestión e Lengua Madre. Recebeu distinções como White Ravens, Destaques da ALIJA (Associação Argentina de Literatura Infantil e Juvenil), Recomendados da Fundalectura, Melhores Livros do Banco de Caracas, Melhor Livro do Boletim Jugendliteratur & Medien, Prêmio Romance do Fundo Nacional de as Artes, Lista de Honra do IBBY (Conselho Internacional de Livros para Jovens) e o Prêmio SM Ibero-Americano de Literatura Infantil e Juvenil. Recebeu o Prêmio Hans Christian Andersen em 2012.

    MAndruettto@revistaemilia.com Andruettto María Teresa

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