Literatura de colo

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Uma conversa com Daniela Padilha, da Jujuba editora

Em 2022, o Brasil teve uma representante entre as finalistas ao BOP, prêmio de melhor editora da América Latina da Feira do Livro Infantil de Bolonha: a Jujuba. Ainda que não tenha levado –  El Naranjo, do México, ficou com o prêmio -, a indicação é especialmente relevante. Primeiro pelo contexto de desmonte que setor cultural do país vive. Destacar-se aqui e agora soa como um ato de resistência. Mas também pelo caminho consolidado pela editora na cena da literatura para as infâncias do país e pelos novos passos na construção de um catálogo de literatura para bebês.

A Jujuba foi criada em 2010 por Daniela Padilha. Ganhou tal nome sem um motivo especial, foi sim pela sonoridade da palavra. Pequena e independente, tem se pautado por objetivos ambiciosos: “publicamos livros que nos trazem perguntas, que nos fazem olhar as situações por outros ângulos, nos tiram do conforto, da mesmice, nos fazem rir, chorar”. Pouco mais de uma década depois, conta com 48 títulos lançados, boa parte deles de autores nacionais.

Nessa trajetória, criou a coleção Literatura de Colo, voltada à primeiríssima infância. A coleção, aliás, foi catalisadora de muitas reflexões sobre leitura, literatura e infância durante a pandemia. A editora viu o interesse em debates sobre livros para bebês crescer e o período de isolamento estimulou a conexão com o público através das redes sociais. Muita gente nova chegou com vontade de conversar. Esse movimento foi a semente para um projeto derivado ganhar vida, o Clubinho Literatura de Colo, lançado recentemente.

Em entrevista à Revista Emília, Daniela Padilha analisa os caminhos percorridos pela Jujuba, fala sobre os desafios de pequenos editores, sobre o mercado editorial, planos futuros e sobre a importância de os livros estarem por perto desde o berço. “Os bebês têm direto à literatura, nada menos que isso”.

Daniela Padilha

Priscilla Brossi  Como foi receber a indicação da Jujuba ao BOP (Bologna Prize for the Best Children’s Publishers) deste ano?

Daniela Padilha Fiquei muito surpresa com a indicação, por estarmos num momento tão delicado no país, com tantos desmontes na área da cultura, educação, saúde…

Essa indicação chegou quase como uma provocação para lembrar que a área do livro é uma enorme rede e que mesmo cansados temos espaço e força para resistir.

PB  Com uma trajetória de pouco mais de uma década, que marcas a Jujuba vem deixando no mercado editorial brasileiro nesse período?

DP Durante esses 12 anos da editora, sempre procuramos por uma edição autoral, em quem os projetos editoriais são criados em parceria com os autores, que se tornam amigos da casa, nessa construção do livro que às vezes dura anos. Investir em acabamento, na escolha do papel que atende ao livro, em profissionais que querem o melhor para esse objeto que está sendo gestado também é essencial para o resultado do catálogo.

Em 2019, abrimos o selo Literatura de Colo, com livros que incluem o bebê como leitor. É um caminho novo que estamos pesquisando e trilhando, com resultados bonitos já sendo colhidos.

PB  De fato, a Jujuba é cada vez mais conhecida pelos livros dedicado aos bebês. Como surgiu o Literatura de Colo e como vem sendo construído?

DP Em 2015, comecei a sentir falta de ter contato com os leitores para quem eu produzia os livros e iniciei um projeto de rodas de conversas e leituras com mães e bebês, Rodas de barrigas leitoras e leitores desde a barriga. Eu queria me aproximar desse leitor que ainda não se expressa por palavras, mas com gestos, olhares, balbucios, e entender como se dava a relação da leitura entre ele e a mãe.

Fiz muitas dessas rodas, o que me levou a pesquisar os livros publicados no Brasil para bebês e percebi que havia pouquíssimas publicações de autores nacionais. Depois de muita pesquisa, fui fazer uma especialização, Escutas Antropológicas das Infâncias, e continuei essa investigação iniciada nas rodas. Desse caminhar, em 2019, lancei a coleção Literatura de Colo, de livros que incluem o bebê como leitor e provocam a mãe ou adulto de referência a uma experiência leitora que faça também sentido para eles, ou seja, uma literatura que permita a existência de diversos leitores.

Desse projeto, agora em 2022, surgiu o Clubinho Literatura de Colo, que mais do que a entrega de livros, se propõe a ser um espaço de troca de experiências leitoras para as famílias, a partir de vivências de rodas, entregas de propostas para serem desenvolvidas pelo bebê e pelo adulto e grupos de discussões.

PB Como você vê o atual cenário do mercado editorial brasileiro?

DP Penso que estamos num momento que precisamos ficar atentos. Muitas editoras nascendo e uma grande quantidade de publicações, o que é bom. Mas ao mesmo tempo, muita coisa voltada para atender aos editais, que hoje determinam temas, com diretrizes como: quantidade de palavras por página, pedido de ilustrações que representem o que está no texto… ou seja, muito retrocesso pensando em qualidade literária.

PB
 Como você vê a situação das pequenas e médias editoras no país?

DP As pequenas editoras continuam como o espaço das experimentações, mas estão ficando sem fôlego. Como a produção é pequena, os editais (PNBE, atual PNLD Literário) de acesso ao livro funcionavam como fomento para as publicações. Hoje, os pedidos de materiais acessórios para a inscrição nesses editais – material ao professor, vídeos, material digital – obrigam as editoras a fazer um investimento apenas para a inscrição, sem garantia de aprovação, ou seja, um dinheiro que poderia ser gasto na publicação de novos títulos. Ainda, a restrição de inscrição de dois títulos por CNPJ também coloca as pequenas editoras em situação de desvantagem, pois as mesmas costumam ter apenas um CNPJ, diferente dos grandes grupos que possuem mais de 20.

PB – E como você vê a relação do Brasil com o mercado internacional?

DP  Ainda nos falta o apoio de instituições e fomento que nos ajudem no processo de internacionalização. Temos o Brazilian Publisher-APEX, mas que não atua apenas com livros infantis. Sinto que nos falta uma instituição com olhar afinado às especificidades da nossa área.

PB – Voltando a seu trabalho como editora, quais os critérios de escolha das obras que a Jujuba publica. Como você avalia o catálogo consolidado pela editora até aqui?

DP  Sempre busco boas histórias e que de alguma forma façam sentido para mim. Não acredito nessa ideia de que há uma atuação isenta do editor. Claro que estamos sempre atentos ao processo de construção do catálogo, o que pode estar faltando, mas, sem dúvida, há nele o reflexo de minha experiência, do que faz sentido para mim como literatura. Se em nosso catálogo há temas mais sensíveis, mais melancólicos, é porque isso de alguma forma me toca. Se há livros de humor, é porque eu adoro livros que me surpreendam, que são divertidos. Em última instância, a ideia é construir um catálogo com boas narrativas e que provoquem o leitor.

PB – Grande parte dos livros publicados pela Jujuba são de autores e ilustradores brasileiros. Em geral, como é dinâmica das escolhas de novos livros? Há uma relação direta com os autores? Recebe os projetos prontos? Ou existe uma construção entre a editora e os autores?

DP  Existem essas três formas. Os autores da casa costumam, em sua maioria ficar, ter mais de um livro e isso se dá pela relação construída no decorrer do projeto. Por isso, muitas vezes eles trazem projetos já pensados, ou eu faço alguma provocação sobre algo que estou no momento pensando para o catálogo. Na coleção Literatura de Colo isso aconteceu muito. Fui conversar com cada autor, contar das minhas pesquisas e do que estava pensando para a coleção. Num primeiro momento, todos falaram que não tinham nada pronto, mas toparam a provocação dessa construção coletiva do que seria esse livro para bebês.


PB  Há alguma iniciativa ou projeto literário que você vê atualmente com entusiasmo?

DP Junto com o IBEAC, estou participando do monitoramento do projeto Nascidos para Ler, em Parelheiros, que conta com a parceria do Instituto Emília e o apoio do Itaú Social. Inspirado no Nati per Leggere, é uma iniciativa de leitura que envolve a primeiríssima infância e que tem tudo para ter um caminho de muito êxito aqui no Brasil.

PB  No Brasil de 2022, nesse cenário de tantas incertezas, como você vê a atuação da Jujuba? O que, nós leitores, podemos esperar da editora para os próximos anos?

DP Penso que mais uma vez, para existir no cenário atual, tivemos que nos reinventar e criar esse novo caminho, do clube de assinatura. Mais uma maneira de dar acesso aos nossos livros e alcançar diferentes públicos, que não necessariamente são os dos grandes centros, que frequentam livrarias. Ainda, esperamos ser uma rede de apoio literária para as famílias nesse momento tão importante que são os três primeiros anos de vida.

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  • Priscilla Brossi Gutierre

    Jornalista com experiência em gestão de projetos de comunicação. Especializada no desenvolvimento de estratégias de conteúdo editorial, incluindo planejamento, edição, curadoria e redação, para diferentes formatos e mídias. No Instituto Emília, atua no plano de relacionamento com a imprensa e edita a newsletter mensal. 


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