Mais (e melhores) espaços para a leitura com os jovens

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macarena@emilia.com.br Pagels Soliz Macarena

Existe um panorama atual que não desconhece a existência de uma literatura juvenil com todas as letras. Se escreve sobre ela, se fazem cada vez mais perguntas, cursos, seminários, encontros que tentam abordar uma questão latente, complexa, que facilmente se evade, mas que ao mesmo tempo é desafiadora. Vários especialistas, entre eles García Padrino e Ruiz Huici, partem do pressuposto que a leitura juvenil efetivamente existe e que as perguntas que poderiam se depreender deveriam levar a outras direções, embora o horizonte que se desenha não esteja ainda tão nítido.

A questão que pessoalmente me estimula a seguir trabalhando é a relação que podemos construir e fortalecer entre os livros, os leitores e os mediadores. Aidan Chambers chama isto de “circulo da leitura”1Chambers, Aidan, Dime. Los niños, la lectura y la conversación. México: FCE, 2007., um espaço para a construção coletiva dos múltiplos significados que desperta o encontro com a literatura. Desde a experiência do escritor britânico, a conversa assume um papel fundamental na geração de práticas leitoras durante a infância, por um fato bastante evidente que as vezes não consideramos: “falar bem sobre os livros é uma atividade muito valiosa em si mesma. Ao ajudar as crianças a falar sobre suas leituras, os ajudamos a se expressar sobre todos os demais aspectos de suas vidas”2Id. Ibid, pg. 12..

Além de reivindicar este espaço de troca, Chambers nos lembra que no círculo da leitura tudo começa com a seleção. A seleção de um livro para ler é essencial antes de começar uma leitura, assim como a seleção de um tema para conversar é essencial para iniciar qualquer conversa. No entanto, quando se trata de mediação leitora com adolescentes e jovens, aparecem em cena aspectos como a qualidade das obras, a intencionalidade que podem ocultar aqueles textos produzidos “sob encomenda” para uma juventude ideal, assim como o lugar que ocupa a paraliteratura dentro da Literatura com maiúscula. Questões que repercutem sem dúvida nas próprias decisões do trabalho de mediação.

Um dos primeiros problemas que a seleção de obras apresenta, quando se trata do leitor juvenil, é a extrema idealização do leitor. Um grande esforço se faz para estabelecer o perfil deste leitor fugidio, para inseri-lo em uma categoria sociológica que facilite a tarefa e de lá refletir sobre a relação que pode construir com a leitura. Porém, como resultado ruim, surgem práticas docentes ou de mediação leitora que buscam satisfazer a demanda do leitor olhando para uns textos considerados “mais adequados” para essas idades, ou que foram produzidos por um mercado que faz tempo tomou consciência de seu potencial consumidor. Isso por sua vez tem como resultado uma produção literária cada vez mais intencionada determinando os temas e as maneiras de ler que se consideram em sintonia com os gostos e necessidades dos jovens, de acordo com sua idade e etapa psico-evolutiva. A literatura se transforma, de acordo com Padrino, em uma narrativa light em comparação com aquela que é mais enriquecedora como experiência estética.

Como resultado desses tipos de práticas, o mediador enfrenta o grande desafio de levar a cabo uma seleção literária que seja, por uma parte, do gosto e interesse daquela juventude imensamente diversa e, por outra parte, que não descuide das habilidades mínimas requeridas pelo desenvolvimento de uma competência estreitamente vinculada a qualidade literária.

Sem dúvida é útil e necessário conhecer os gostos e tendências atuais que os jovens manifestam em matéria de literatura, ter uma aproximação genuína com as manifestações atuais de práticas de leitura cada vez mais compartilhadas entre seus pares. Vale somente mencionar as distintas plataformas que se encontram na web, que colocaram em evidência um fenômeno interessante de socialização de leitura: booktubers, blogueiros, revistas digitais, Wattpad, entre outras. Nesses espaços virtuais é possível conhecer as preferencias literárias dos jovens, suas impressões, seus questionamentos e mais sobre a relação que estabelecem com os livros.

A vantagem de conhecer as práticas de leitura que se instalaram em ambientes virtuais, a partir das próprias necessidades e inquietações dos jovens, também permite por em evidência aquilo que não acontece em espaços reais de troca, menos ainda nas relações que se constroem entre jovens e adultos. Acompanhar essas tendências me faz refletir ainda mais sobre o papel que desempenha a mediação leitora na construção de diversas formas de relação entre os jovens e a leitura, principalmente a partir de questões como: facilitar espaços de troca que envolvam a participação direta dos jovens, que permitam conhecer seus entusiasmos, perplexidades ou conexões que o encontro com os livros promove; conversar, manifestar e expressar emoções e sentimentos a partir de um relato, resolver um conjunto de enigmas e construir seus significados de maneira coletiva.

Por essa razão, creio que um das formas de simplificar essa problemática pode ser a adoção de uma simples, mas significativa abordagem: considerar o jovem ou adolescente não como o objetivo final, se não bem como o ponto de partida. Em outras palavras, deixar de orientar a produção literária a um leitor ideal que representa a juventude, para gerar espaços de socialização em torno da leitura “desde” suas necessidades e interesses. Ao mesmo tempo, experimentar em conjunto o desafio que pode chegar a ser a aproximação da literatura como experiência estética. Como mencionava Kiko Ruiz, “não fabriquemos, a base de renúncias e simplificações, uma literatura feita sob medida para o jovem; capacitemos o jovem para ler literatura”3Ruiz Huici, Kiko. “La literatura juvenil y el lector joven”. In: Revista de Psicodidáctica no. 8, País Vasco, Espanha, pg. 32.. O que isso implica? Entre muitos aspectos, entender, primeiro, que o adolescente é um leitor em pleno desenvolvimento e construção de um cânone literário, que se alimenta de diversas experiências e referencias literárias que tem a mão. As mais diretas são os planos leitores na escola, mas também o que se lê e compartilha em suas próprias redes e, por último, o que o mercado, mediante estratégias bem-sucedidas, conseguiu estabelecer como “literatura juvenil”. Em segundo lugar, conhecer esses leitores, mas em sua própria complexidade, não cair em generalizações categóricas que tentam fazer um perfil do que é a juventude atual. Terceiro, propiciar os espaços necessários para que as competências que estão desenvolvendo os leitores jovens tornem-se mais potentes e continuem com o tempo.

Para a pesquisadora Michèle Petit, o que está em jogo na leitura dos jovens tem relação com a mesma vida: “a leitura pode ser, justamente, em todas as idades, um caminho privilegiado para se construir a si próprio, para pensar se a si mesmo, para dar um sentido à própria experiência, um sentido à própria vida, para dar voz ao sofrimento, formar os desejos, os próprios sonhos”

O papel do mediador é chave nesse processo, no cânone que os jovens leitores constroem, nos espaços que dispõem para que possa desdobrar toda sua competência literária, possa expressar, trocar impressões, conhecer novos temas, fazer questionamentos e exercitar reflexões profundas a partir da leitura.

Tão urgente como o debate sobre os livros é refletir sobre as práticas que facilitam a relação dos jovens com a literatura.4Este texto foi apresentado como projeto final ao curso A literatura me mata – existe literatura juvenil?, organizado pelo Laboratório Emília de Formação e selecionado entre os melhores.

Tradução Tais da Silva Prades Villela


Imagem: Ilustração de Roald Dahl.


Referências Bibliográfica

CHAMBERS, Aidan, Dime. Los niños, la lectura y la conversación. México: FCE, 2007.
GARCÍA PADRINO, Jaime. ¿Existe la literatura juvenil? em Revista Cuatrogatos.
PETIT, Michèle, Nuevos acercamientos a los jóvenes y la lectura. México: FCE, 1999.
RUIZ HUICI, Kiko. La literatura juvenil y el lector joven. En: Revista de Psicodidáctica no. 8, 1999. Pags. 25-40. País Vasco, España.

Notas

  • 1
    Chambers, Aidan, Dime. Los niños, la lectura y la conversación. México: FCE, 2007.
  • 2
    Id. Ibid, pg. 12.
  • 3
    Ruiz Huici, Kiko. “La literatura juvenil y el lector joven”. In: Revista de Psicodidáctica no. 8, País Vasco, Espanha, pg. 32.
  • 4
    Este texto foi apresentado como projeto final ao curso A literatura me mata – existe literatura juvenil?, organizado pelo Laboratório Emília de Formação e selecionado entre os melhores.

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  • Macarena Pagels Soliz

    É chilena e estudou História e Fomento a Leitura e Literatura Infantil e Juvenil no seu pais. Participa na Fundación La Fuente, desde o ano 2016, como mediadora de leitura em escolas do Sul do Chile.

    macarena@emilia.com.br Pagels Soliz Macarena

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