O papel do diretor escolar na formação de leitores

, maura@emilia.com.br Barbosa Maura panico@emilia.com.br Panico Roberta

A leitura como direito

Para tratar da leitura como direito, recorremos à clareza do professor Antonio Candido sobre a importância da literatura literária na formação do ser humano. Ele via a luta pelo acesso à literatura no contexto da luta pelos direitos humanos, por corresponder a “uma necessidade universal que deve ser satisfeita sob pena de mutilar a personalidade, porque pelo fato de dar forma aos sentimentos e à visão do mundo ela nos organiza, nos liberta do caos e, portanto, nos humaniza”. Para Candido, “negar a fruição da Literatura é mutilar a nossa humanidade”.1CANDIDO, 2004, p.186.

Essa perspectiva humanista defendida por Antonio Candido está assegurada como direito a todo cidadão no Artigo 3º da Constituição Federal de 1988, que traz quatro objetivos fundamentais da nação brasileira: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; e IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

A construção de uma sociedade mais justa e igualitária pressupõe instituições conscientes de seu papel de assegurar condições para que se alcance esse objetivo, e a escola é fundamental nesse processo. A Constituição Federal de 1988, no seu Art. 206, diz que o ensino será ministrado com base nos princípios da igualdade de condições para o acesso e permanência na escola e na garantia de padrão de qualidade. Mas, afinal o que seria qualidade em se tratando do direito à leitura?

Para que este direito possa ser usufruído, há que se produzirem as condições materiais e sociais: crianças leitoras nascem, e crescem, e vivem, e criam em ambientes em que a leitura desimpedida ocorra espontânea e frequentemente: ambientes com muitos e bons livros, com muitas e boas histórias e poemas, com muitas palavras e desafiadoras frases desajustadas, novidadeiras, voadoras, atrapalhadas, consoladoras, brincalhonas… Palavras mudas e tagarelas. Luis Percival Leme Britto

Sabemos que a história da leitura e da escrita foi, por um longo período, privilégio das elites políticas, econômicas e religiosas. Recentemente, a leitura passou a ser um direito de muitos graças à universalização do direito à educação.

A leitura na instituição escolar

Os desafios para tornar as práticas de leitura parte da vida escolar envolvem a oferta de um acervo de qualidade, mas também de uma série de condições que revelam o entendimento de que a formação leitora extrapola a sala de aula e coloca-se como um valor institucional que deve estar presente no funcionamento da escola, nos seus diferentes ambientes, nos espaços de formação, nos vínculos estabelecidos em torno da leitura entre os profissionais, e com os estudantes e com a comunidade, e, como isso tudo se documenta como representação institucional no projeto político pedagógico da escola.

Dentre essas condições, destacamos a organização dos espaços para que os alunos das diferentes faixas etárias, professores, funcionários e comunidade tenham acesso a esse acervo literário; o tratamento da leitura e da formação leitora como conteúdos de discussão entre os educadores de forma a dar sentido e significado às atividades propostas dentro e fora da sala de aula; a proximidade das práticas de leitura da escola com o que acontece nas práticas sociais, a partir da compreensão de que o espaço escolar é um espaço de oportunidade para a formação de leitores.

É preciso pensar que muitas crianças não têm muitas oportunidades fora da escola para se aproximar e se familiarizar com a leitura. Como observa a pesquisadora espanhola Isabel Solé, talvez não vejam muitos adultos lendo, talvez ninguém leia para eles com frequência ou comentem livros lidos.

A escola não pode compensar as injustiças e as desigualdades sociais que nos assolam, mas pode fazer muito para evitar que sejam incrementadas em seu interior. Ajudar os alunos a ler, com que se interessem pela leitura, é dotar-lhes de um instrumento de aculturação e de tomada de consciência cuja funcionalidade escapa dos limites da instituição. Isabel Solé (O Prazer de Ler, Revista Nova Escola)

Se queremos fazer da escola uma comunidade de leitores, não podemos nos esquecer também do seu papel junto aos funcionários e à comunidade. Quais são os espaços onde os alunos, funcionários e a comunidade podem usufruir dos livros? Pode ser a Biblioteca e/ou Sala de Leitura, mas também os corredores, o pátio, a entrada da escola, a sala dos professores, o refeitório, entre outros. É possível usar esses espaços não só para exposição, podem ser pontos de retirada, para compartilhamento de indicações e opiniões sobre as leituras, mas para tanto é preciso cuidar do acervo de forma a ofertar os livros de melhor qualidade literária, cuidar da rotatividade dos materiais e promover a divulgação do acervo por meio dos professores e alunos.

A formação em contexto de trabalho é um espaço privilegiado para que os educadores possam trocar suas experiências leitoras e refletir juntos sobre as ações que estão desenvolvendo com a intenção de formar leitores, organizarem-se para conhecer outros espaços culturais, analisarem o quanto as ações de leitura dentro e fora da sala de aula estão contribuindo com a formação leitora dos alunos reconhecendo as potencialidades e as limitações destas.

Como se forma um leitor?

As práticas e os comportamentos leitores são formados no cotidiano da escola e não somente no espaço da sala de aula como já foi dito.

Os projetos institucionais propiciam na escola e não só na sala de aula um movimento em que a leitura ganha sentido para os alunos e para os professores; uma oportunidade de se falar dos textos lidos em diferentes situações; expressar-se em outras linguagens; de organização de ações como feiras de livros, exposições, exibição de filmes/documentários com participação da comunidade, valorização das manifestações culturais do contexto em que a escola está inserida.

Estas práticas e comportamentos precisam ser foco do projeto educativo da escola e, portanto, do seu Projeto Político Pedagógico (PPP) com ações e projetos em que sejam oportunizada aos estudantes a convivência com outros leitores, sejam eles colegas e/ou adultos, e no acesso a publicações diversas – cartazes, livros literários, revistas, jornal entre outros.

O PPP de uma escola se configura como um instrumento que projeta a intencionalidade educativa da escola.

O PPP também ajuda na organização do trabalho pedagógico da escola, ao apontar não apenas o que fazer, mas como fazer para que cada um e todos os alunos avancem em suas aprendizagens, contribuindo para a vida social da instituição, superando con mitos e agregando valores humanizadores a todas as relações. (Projeto político Pedagógico – Orientações para o gestor escolar, entender, criar e revisar o PPP; CEDAC & MODERNA; 2016)

Deste modo, em relação à leitura, a escola precisa se perguntar e projetar no seu PPP o estudante que quer formar, o leitor que queremos que seja, os comportamentos e as práticas leitoras que queremos que ele tenha na sua vida.

Diante destas respostas o gestor escolar e sua equipe precisam pensar que projetos institucionais poderão ser propostos no PPP da escola com o propósito de formar uma comunidade leitora. Quais materiais precisam ser disponibilizados? Como devem ser organizados os ambientes escolares? Precisamos considerar neste PPP que a escola é, para muitos estudantes e familiares, a única instituição social em que poderão ter acesso a livros literários e a outros materiais escritos de qualidade. É onde poderão também conviver com outros leitores, o que, como nos ensina Daniel Pennac, é de fundamental importância para a formação de leitores. Portanto, os profissionais da escola e educadores têm responsabilidades sobre esta formação leitora do estudante e sobre a constituição de uma comunidade leitora e esses aspectos precisam ser foco de atenção do diretor nesta formação profissional.

Mas que competências profissionais precisa ter o diretor para a formação de uma comunidade leitora na escola?

Ser competente não é realizar uma mera assimilação de conhecimentos suplementares, gerais ou locais, mas sim, compreende a construção de esquemas que permitem mobilizar conhecimentos na situação certa e com discernimento.

Ao construir competências considera-se o contexto de aprendizagem, a implicação do sujeito na tomada de decisão, a resolução de situações problemáticas e o próprio processo de construção de conhecimento. Isabel Simões Dias; 2010.

O documento chileno Marco para la buena dirección y el liderazgo escolar (2015)2 apresenta uma visão interessante das competências profissionais, ao indicar que elas pressupõem o desenvolvimento de recursos pessoais e práticas profissionais. Os recursos pessoais, na visão dos autores desse documento, envolvem o desenvolvimento de princípios, disposições e conhecimentos e o conjunto destes recursos pessoais geram as práticas de gestão e as competências profissionais.

Assim, poderíamos entender que no contexto da formação de alunos leitores, os diretores deverão adotar como princípios: a valorização do conhecimento literário; a valorização da literatura como experiência estética; a democratização da leitura literária; e a leitura como direito para as crianças desde pequenas.

Ainda seguindo a lógica do documento, poderíamos agregar como disposições dos diretores comprometidos com a formação leitora: a garantia da existência, divulgação, manutenção e ampliação do acervo literário; o acompanhamento das situações de leitura literária propostas na escola; a promoção da melhoria do espaço escolar para assegurar as condições institucionais de acesso e uso do acervo literário; a oferta de condições institucionais para a formação dos educadores quanto à formação literária; a revisão/elaboração do PPP quanto à formação literária; a promoção e o incentivo da leitura literária aos familiares e da comunidade escolar.

E, por fim, fazemos o mesmo exercício com os objetos de conhecimentos que seriam necessários a esse diretor: práticas e concepções de ensino e aprendizagem da leitura literária; acervo de qualidade literária; concepção de leitura como experiência estética, literatura e mediação de leitores; competência leitora nas crianças antes de lerem convencionalmente; o PPP e sua relação com a formação leitora; práticas e comportamentos leitores.

Entendemos que essa organização ajuda a pensar de forma sistêmica no percurso de desenvolvimento pessoal e profissional do diretor para que ele possa liderar a comunidade escolar na reunião das melhores condições no contexto escolar para que alunos, educadores, demais funcionários e comunidade possam se desenvolver enquanto leitores.


Imagem: Ilustração de Maurice Sendak.


Nota

  • 1
    CANDIDO, 2004, p.186.

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Autores

  • Maura Barbosa

    É coordenadora pedagógica da área de gestão da Comunidade Educativa CEDAC. Pedagoga com habilitação nas matérias de Administração, Orientação e Supervisão escolar, Maura foi coordenadora pedagógica da rede municipal de Itapetininga (SP) de 1985 a 2000 e assessorou as redes municipais de diversos municípios paulistas. Já na Comunidade Educativa CEDAC, coordenou o trabalho de formação de gestores em diversos municípios do Pará e do Espírito Santo. Atualmente integra o núcleo de coordenação de gestão (escolar e educacional) da instituição, mas continua fazendo formação, viajando o Brasil inteiro sempre com o objetivo de fazer com que as equipes gestoras olhem para as condições de aprendizagem dos estudantes.

    maura@emilia.com.br Barbosa Maura
  • Roberta Panico

    É diretora de Desenvolvimento Educacional da CE CEDAC. Pedagoga por formação, sempre atuou trabalhando diretamente em redes públicas de ensino ou assessorando-as. Foi professora em Embu das Artes e Taboão da Serra em SP, onde implantou e coordenou a Educação para Jovens e Adultos (EJA). Atuou como formadora do programa Parâmetros em Ação e assessorou a Coordenação de EJA do Ministério da Educação (MEC). Participa da Comunidade Educativa CEDAC desde 2003, tendo atuado como formadora em diversos municípios até assumir a coordenação dos projetos e publicações na área de gestão escolar e educacional. Hoje integra a diretoria da instituição, supervisionando todos os projetos que possuem como foco a formação de gestores educacionais e escolares e a mobilização social pela educação.

    panico@emilia.com.br Panico Roberta

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