Quando há um encontro entre histórias, a riqueza emerge como mandioca saindo da terra. As narrativas vivas se esbarram com as já mortas e as histórias de pessoas de lá se reunem com aquelas de cá. Risadas à toa, olhares tímidos e mãos curiosas abrem passagem para o sol numa manhã nublada e fria.

E um encontro poético se dá.

O Olhar Leitor 2017 foi assim. Diante da nova parceria entre a Revista Emília e a Biblioteca Comunitária Caminhos da Leitura, os livros vencedores do Destaques Emília 2016 ganharam toques e olhares de crianças, jovens e adultos de Parelheiros.

O sábado que previa chuva para si, impressionou-se com a riqueza do encontro e entrou no jogo trazendo alguns raios de sol nos arredores do cemitério. A biblioteca, outrora casinha do coveiro, foi sendo pouco a pouco povoada por pessoas, cachorros, legumes e lanches saborosos e mal se notava que os livros ali espalhados dividiam terreno com alguns túmulos.

O autor Gil Veloso, contudo, fez todos se lembrarem o que nos espera ao final da vida quando, em um momento de mediação, orquestrou a cantoria de seu poema “Ah, ah, ah, como morrer é bom!”. Naquele curto instante todos os vivos riram de nervoso e os mortos, com certa presunção, riram de contentamento. Afinal, o encontro de histórias vivas também se fazia com as histórias mortas.

O pedido de liçença não foi feito apenas para as tumbas. O grupo Destaques, como estrangeiros naquele espaço, foi pedindo permissão para estar, para ler e para compartilhar com aqueles que estão lá no dia a dia. E algumas rodas de mediação se formaram ao redor dos livros De flor em flor, Lina e o balão, O dia da festa, Férias com sorvete, Quando você não está aqui, e O menino perfeito.

Em uma delas, com mediação da deslumbrante Ketlin Santos, um menino de nove anos não quis entrar na roda a princípio. Muito tímido, resolveu participar e, encolhido na cadeira, informou que gostaria de escutar O menino perfeito. Os dois meninos – o perfeito e o encolhido na cadeira – acabaram por esbarrar um na história do outro e, ao final da mediação, este último disse “Eu gostei (da história), ele se transformou no que ele queria ser e não deve ser julgado”.

Em uma segunda roda, crianças ouviram um tanto desconfiadas o início de Férias com sorvete, mas sem demora se colocaram opinando sobre os sabores de sorvete que mais gostavam.

Ali ao lado, as crianças menores escutavam, assim como suas mães e alguns jovens, as travessuras de Lina e o Balão. Soltavam suspiros carinhosos diante da delicadeza do livro.

E também traziam suas intrigas fraternais e observações perspicazes sobre o ritmo narrativo do livro Quando você não está aqui.

Terminada a rodada de leitura todos se deliciaram com o lanche das cozinheiras do Núcleo de alimentação saudável (AMARA). Uma caravana se formou para que o encontro criasse braços e se estendesse até a Casa das Histórias, próxima dali. A casa colorida e aconchegante já cheirava a comida na panela e mais duas rodas de mediação se deram: LivroClap e O dia da festa.

Crianças diferentes, olhares curiosos e quietos. O cavalo/unicórnio de O dia da festa​ causou estranhamento, mas diferente da mediação na Biblioteca, na qual o unicórnio foi desmascarado cedo, o chifre virou chapéu apenas ao final do livro.

Por fim, todos espantaram as teias de aranha que tinham pelo corpo e se movimentaram com as cores e os sons do Livro Clap. A sala ficou mais quente e risonha.

O almoço selou a comunhão de encontros e uma nova perspectiva se abriu para o Destaques Emília.

E foi assim. Um pouco assim e um pouco assado que o Olhar Leitor 2017 chegou ao fim.