Patos e lobos-marinhos

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FabiolaFarias@revistaemilia.com Farias Fabíola

Patos e lobos-marinhos – Conversas sobre literatura e juventude, de Sara Bertrand, é um livro que não apresenta novidades. Não há em seus artigos e no sensível texto intitulado Boas-vindas nada que, de alguma maneira, nós que trabalhamos com livros, leituras e adolescentes já não tenhamos ouvido em palestras e seminários ou lido em trabalhos sobre o tema. As muitas referências e citações apresentadas pela autora são uma prova disso.

Mas nós, essas mesmas pessoas que atuam na área, em suas diversas frentes – somos professoras, bibliotecárias, mediadoras de leitura, agentes culturais, autoras, editoras, gestoras públicas… – há muito entendemos que não há nada de novo no que nos tem sido apresentado como novidade. E, por isso, aceitamos imediatamente, tão logo abrimos suas páginas, o convite que nos é feito por Patos e lobos-marinhos – Conversas sobre literatura e juventude.

Como o título já indica, o livro é feito de conversas, essa coisa boa que nos coloca a todas no mesmo lugar, em diálogo (ninguém ensina e todas aprendem). Sem se deter em conhecidas teorias sobre leitura e formação de leitores, mas sabedora delas, Bertrand se dedica a celebrar os encontros entre adolescentes e livros, destacando aspectos que muitas vezes desconsideramos ou tomamos aligeiradamente: a tensão do corpo e da sexualidade nas experiências com a linguagem; a construção de projetos individuais e coletivos; a necessidade de pertencimento a uma comunidade e a compreensão desse processo; os medos que se impõem diante da leitura e da escrita; a formação do gosto e as experimentações estéticas nos livros para jovens… Tudo isso ao mesmo tempo, em profusão, sem possibilidades de observação e análise fragmentadas, porque humanos, somos um caldeirão de sentimentos, visões de mundo, marcas objetivas e, principalmente, angústias e desejos.

A autora se dedica também a pensar a oralidade e a encarnação da palavra, as autorias e suas circunstâncias, a intimidade dos leitores (destaco a beleza da passagem em que Bertrand divide conosco a descoberta, ainda na infância, do estranho que habitava o seu próprio e tão conhecido pai, no texto Porque escrevi) e a perene luta das mulheres por suas existências, inclusive na escrita.

Alguns dos textos foram escritos para atividades no Brasil e se debruçam sobre situações que conhecemos bem, mas que se apresentam por novos prismas. Aliás, a publicação de Patos e lobos-marinhos – Conversas sobre literatura e juventude é mais um passo na construção de relações mais estreitas do Brasil com países vizinhos, cujas autoras e autores ainda conhecemos tão pouco por aqui. A coleção que vem sendo publicada pelo Instituto Emília em parceria com a Editora Solisluna nos abre caminhos para refletir sobre o que temos feito e como temos pensado livros, literatura, edição, infâncias e juventudes no Brasil. Por causa dela, hoje podemos ler em português Graciela Montes, María Emilia López e Sara Bertrand, além de dois pertinentes e necessários ensaios sobre as fronteiras entre liberdade de expressão e validação da opressão nos livros para crianças, escritos pelo canadense Perry Nodelman.

Ao tratar dos temas de sempre, sem desejo de novidade, Sara Bertrand abre possibilidades de reflexão, de retorno ao que pensamos e ao que temos feito, de revisão de nosso entendimento das coisas. Isso pode tanto servir para validar nossa atuação, voltando a ela com menos incertezas em função da partilha de caminhos experimentada na leitura da autora chilena, ou para questionar nossas práticas, ainda que sem pretensão de imposição externa, e por isso esvaziada, de ajustes. É essa generosidade, própria das conversas, que faz de Patos e lobos-marinhos – Conversas sobre literatura e juventude um convite à leitura.

Autor: Sara Bertrand
Editora: Selo Emília & Solisluna
ISBN: 978-65-86539-15-8
Idioma: português
Formato: 13 x 18 cm
Nº de páginas: 152
Tradução: Cícero Oliveira
Ano de publicação: 2021

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  • Fabíola Farias

    É graduada em Letras, mestre e doutora em Ciência da Informação pela Universidade Federal de Minas Gerais, com estágio pós-doutoral em Educação pela Universidade Federal do Oeste do Pará. É leitora-votante da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil.

    FabiolaFarias@revistaemilia.com Farias Fabíola

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