Política de roda

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riviana@email.com.br Lucena Riviane

Nas brechas do sistema educacional, estudantes ampliam possibilidades de aprendizagem e participação nas escolas1Texto originalmente publicado em Embarque no Direito, um negócio de impacto social que tem como projeto um jornal impresso que traduz direitos sociais e civis a partir da história e vivência de moradores e moradoras das periferias da zona sul SP. O projeto teve início em 2018. A atual gestão é composta por um coletivo de 4 mulheres e iniciou – se em 2019.

Passar a adolescência em uma periferia é ser confrontado com questões comuns da idade e ainda lidar com a falta de acesso. Em 2015, Jonnas Rosa e Michele Conceição vivenciavam isso enquanto estudavam ensino médio em uma escola do Jardim Horizonte Azul, zona Sul de São Paulo.

“Nós éramos um grupo de jovens muito inquietos, questionadores. A gente tava em transição, e estavam acontecendo casos de racismo e homofobia na escola”, conta Jonnas, morador do Jardim Ângela, hoje com 21 anos.

A oportunidade apareceu, mas não foi como o esperado. A direção da escola anunciou que aconteceria um projeto novo antes do horário de aula, e todos que quisessem estavam convidados a participar. Michele, Jonnas e outros alunos e alunas ficaram curiosos e decidiram chegar mais cedo no dia seguinte para ver o que ia rolar. Só que o encontro era um reforço preparatório para as provas em universidades.

“Pra nós, era muito mais urgente e necessário falar sobre racismo e homofobia do que fazer uma atividade para o vestibular como sugerido no projeto da escola”, ressalta Jonnas.

Apesar de o imaginário social considerar a escola como um lugar de transferência de conhecimento, em que os alunos sentam na carteira e ouvem com atenção o que diz a professora, a educação deve ser construída em conjunto. O professor e escritor Paulo Freire ganhou destaque em todo o mundo defendendo que estudantes e professores têm muito a ensinar e a aprender. Por isso, a educação também é um ato político.

E era o que queriam Jonnas, Michele e outros amigos. “A gente fez a sugestão de trazer isso pra roda no projeto da escola, mas não fomos ouvidos. Então, resolvemos dar um jeito”, explica Michele, moradora do Jardim Ângela, hoje com 22 anos e pedagoga.

Foi então que nasceu o Coletivo Encrespados. Formado por 5 jovens da região do Jardim Ângela e Capão Redondo, o grupo parte da implementação da lei 10.639/03, que determina o ensino obrigatório de História e Cultura Afrobrasileira nas escolas e o que permeia a vida nas periferias.

“Nós acreditamos que o ambiente escolar é um campo fértil para o diálogo sobre o novo e o diferente. Por isso, precisamos pensar formação de novos pensamentos, quebras de paradigmas e conscientização popular”, diz a apresentação do grupo na internet. “Queremos contribuir para a reflexão da comunidade educativa de maneiras diferentes inovadoras e de forma afetuosa”, continua.

Os Encrespados fazem debates com crianças e jovens de escolas e outros espaços de aprendizagem abordando temáticas étnicorraciais, diversidade de gênero e direitos humanos. A partir dessa temática, o grupo abre para necessidades da escola e dos estudantes.

“Nós entendemos as demandas de cada quebrada, pensamos e discutimos a diversidade das vivências, a partir da organização, e tentamos entender o quanto as vivências limitam as potências”, ressalta Matheus Theodoro, 21 anos, morador da Vila Calu e articulador cultural. “Uma mulher que ganha menos por seu trabalho simplesmente por ser mulher, por exemplo, tem suas potências limitadas”, salienta.

Esse projeto impactou diretamente os jovens que participaram dele. Algumas crianças se espelharam no penteado black dos educadores para assumir seus cabelos naturais, por exemplo.

O impacto também é positivo para os educadores. “Eu tive que estudar sobre os temas e me apropriar do assunto pra levar aos debates”, observa Jonnas, que também é rapper, poeta e ator. A experiência o ajudou a compor letras que denunciam violações de direito pelo Estado.

A meta é essa: plantar sementes que vão se multiplicar, “para que essas pessoas que a gente troca ideia possam também trocar ideia com outras pessoas, criando redes, possibilidades, expandir as ideias em outros territórios, cobrando quem tem que ser cobrado”, conclui Jonnas.

Quer saber mais sobre os Encrespades? Acesse aqui.


Imagem: Ilustração de Santiago Regis, para O Brasil que lê.


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    Texto originalmente publicado em Embarque no Direito, um negócio de impacto social que tem como projeto um jornal impresso que traduz direitos sociais e civis a partir da história e vivência de moradores e moradoras das periferias da zona sul SP. O projeto teve início em 2018. A atual gestão é composta por um coletivo de 4 mulheres e iniciou – se em 2019.

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  • Riviane Lucena

    Tem 28 anos, mora no Morro do Piolho, Capão Redondo. É jornalista e gestora do Jornal Embarque no Direito.

    riviana@email.com.br Lucena Riviane

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