Quem escolhe os livros para as crianças?

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FabiolaFarias@revistaemilia.com Farias Fabíola

Listas, listas e mais listas. Prêmios, muitos prêmios. Sem falar nos blogues, youtubers e clubes do livro, que oferecem uma espécie de assinatura em que os consumidores recebem um ou mais títulos por mês, escolhidos por uma curadoria e sempre acompanhados por brindes, muitas vezes mais destacados que os títulos em questão.

Não há dúvidas de que toda essa movimentação em torno dos livros, especialmente os para crianças, tem sido importante para a valorização e para a economia do universo livresco, na medida em que divulga e promove títulos e autores, estimula a crítica sobre essa produção e convida professores, bibliotecários, mediadores de leitura e famílias a conhecer obras que já foram apreciadas por especialistas.

No entanto, esse fenômeno (chamemos assim) precisa ser observado em perspectivas distintas. Se por um lado cria um ambiente fecundo e de visibilidade para a produção editorial para crianças, por outro aponta para um movimento de mercado que vem engolindo muitas boas intenções. E, principalmente, toca numa questão fundamental do processo de formação de leitores: a aprendizagem, sempre em marcha, da escolha.

Sabemos que nosso gosto e desejo são formados por condições objetivas e subjetivas e que o acesso a bens culturais, o poder econômico e os ambientes familiar e escolar os determinam, em grande medida. Assim, escolher não é um gesto espontâneo e neutro, como muitos pensam.

As listas de livros do ano, assim como os clubes de leitura, oferecem conforto e segurança na aquisição de títulos para os pequenos e acabam escolhendo por nós. Assim como as seções de “mais vendidos” publicadas semanalmente por revistas e jornais, funcionam como um guia competente para as leituras com as crianças. Aparentemente sem riscos, as listas nos dizem o que ler com as crianças e nos eximem do trabalho e da responsabilidade da escolha, além de economizar nosso tempo na livraria e na biblioteca, quando não optamos pela escolha que chega pelos correios por assinatura.

É claro que há muito trabalho, compromisso e seriedade na elaboração de listas e que muitos desses processos contam com profissionais experientes e sensíveis. Também há serviços de qualidade em alguns dos muitos clubes de leitura que surgiram no Brasil nos últimos anos. O que quero chamar a atenção é para a importância da experiência de escolher um livro para e com as crianças. Uma visita a uma livraria ou a uma biblioteca pública pode ser uma boa oportunidade para conhecer autorias e experimentações estéticas distintas, gêneros textuais diversos, produções de momentos anteriores e também os livros destacados pelas listas de melhores do ano. O encontro com um bom livreiro, um professor, um bibliotecário ou um mediador de leitura pode fazer muita diferença nessa experiência, transformando a busca por um livro premiado em uma abertura para vozes, traços, rimas e ideias que, por motivos distintos, nunca estiveram em listas. Dito de outra maneira, aprender a escolher e saber por que escolhemos isto ou aquilo faz parte do processo de formação de todos nós. O tempo que investimos nisso com as crianças é um tempo de estar junto em torno de algo que importa a pequenos e grandes e que não pode ser terceirizado: as narrativas, as palavras e as imagens que nos ajudarão a compreender e indagar o mundo.


Imagem: Ilustração Durante un tiempo Lacan fue dueño del origen del mundo de Courbet, acervo de María Luque.


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  • Fabíola Farias

    É graduada em Letras, mestre e doutora em Ciência da Informação pela Universidade Federal de Minas Gerais, com estágio pós-doutoral em Educação pela Universidade Federal do Oeste do Pará. É leitora-votante da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil.

    FabiolaFarias@revistaemilia.com Farias Fabíola

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