Um papo com Cecilia Bajour

Post Author
Priscill@revistaemilia.com.br Brossi Gutierre Priscilla

Em setembro deste ano, o Instituto Emília realizou um curso muito especial conduzido pela escritora, pesquisadora e crítica literária argentina Cecília Bajour. Com o título Gritos e sussurros: o que a literatura infantil diz e o que cala, a proposta era explorar criticamente o equilíbrio entre excessos e sutilezas nas formas de criar mundos com palavras, representá-los através de imagens, transformá-los em livros (e outros objetos culturais destinados às crianças).

Formada em Letras pela Universidade de Buenos Aires e mestre em Livros e Literatura para Crianças e Jovens pela Universidade Autônoma de Barcelona, Cecilia é crítica literária de livros para crianças e jovens, atua na formação de professores e mediadores de leitura e é membro do Conselho editorial da Revista Emília. Tem vários livros publicados. Ouvir nas entrelinhas – O valor da escuta nas práticas de leitura (Pulo do Gato) é seu primeiro livro publicado no Brasil, pelo Selo Emília e Solisluna Editora será lançado em breve seu próximo livro no Brasil. Aguardem!

Conversamos com ela sobre silêncios e desafios na mediação leitora. Acompanhe a seguir a entrevista.1Na tradução desta entrevista preservamos a sinalização de linguagem neutra que Cecília Bajour adotou.

Priscilla Brossi Você já fez muitas reflexões sobre o silêncio nos textos literários e sobre as possíveis formas de interpretá-lo. Há, inclusive, alguns ensaios seus na Revista Emília que tratam do assunto. Por que o silêncio é importante?

Cecilia Bajour Os modos do silêncio são múltiplos na arte. Seguir e descobrir as pistas do que está calado, sugerido, dito ou mostrado apenas em partes expande as possibilidades de interpretação e enriquece os caminhos da leitura. Ao lermos diversos textos artísticos somos convidadxs a ativar estratégias significativas para fazer laços entre o que está e o que não está. Atuamos como detetives e artífices de sentidos escondidos. Estou interessada nessa busca em todas as formas literárias e visuais, ainda que em meus estudos tenha me dedicado mais aos livros-álbum e aos textos poéticos.
No sentido contrário ao excesso no que é dito e mostrado, certos livros-álbum trabalham minuciosamente os mapas do silêncio. Abordam a condensação do poético, convidam a esperas, questionamentos, privações e jogos retóricos que apelam à sugestão sem dizer ou mostrar nada, como peças de um maquinário silencioso que busca encontrar equilíbrio entre a presença e a ausência.
Ao refletirmos sobre os livros álbum, o silêncio apresenta-se um componente vital da musicalidade e espacialidade da poesia. As pausas dentro e ao final dos versos, os espaços em branco desenhados na configuração espacial dos poemas, a gradação da informação no que é dito e como é dito, as opacidades, as manifestações do metafórico e do metonímico: o silêncio é necessário para entrelaçar o que é dito com o que não é.
Esses conhecimentos são muito poderosos no trabalho de mediação, tanto em relação à seleção de textos quanto aos modos de intervenção em situações de leitura. Saber compreender os textos e xs leitorxs permite o surgimento de diferentes manifestações de silêncio dando espaço a múltiplas vozes. Afinal, os significados são sociais e nunca definitivos.

PB Em que medida as linguagens da literatura infantil – a palavra, a imagem e a edição – podem impactar a mediação da leitura?

CB Quanto mais xs mediadorxs se apropriarem das questões técnicas relativas a construção formal dos livros e de outros objetos culturais (como são feitos, a construção das diferentes linguagens), os aspectos históricos (contextos de produção e recepção) e políticos (as possibilidades de acesso, circulação, apropriação etc.), mais possibilidades terão de escutar as maneiras que xs leitorxs constroem suas leituras e de intervir de forma a enriquecê-las. O conhecimento sobre as engrenagens e a arquitetura dos textos é fundamental para a expansão dos sentidos. Pode impulsionar o pensamento crítico ao proporcionar múltiplas vias de abordagem da leitura, problematizando o que se lê, discutindo os olhares reducionistas que tentam conduzir a um significado único e excludente. Por isso, são importantes iniciativas sistemáticas de formação de mediadores que tratem dessas questões e que trabalhem não apenas aspectos temáticos como também os modos em que forma e conteúdo se manifestam nas diferentes linguagens e nas múltiplas maneiras de relacionarem-se entre si

PB Em um mundo que está saindo de uma pandemia, após o período de isolamento social, que desafios você vê para a mediação de leitura, com leitores retornando a espaços públicos como bibliotecas, livrarias e escolas?

CB O longo período de isolamento social, para além das consequências trágicas com as perdas de vidas e a deterioração das condições de existência de quem mais sofre em nossa sociedade (considero um imperativo ético e político que essas questões não sejam esquecidas, é importante sempre ressaltá-las), foi um momento de muitos aprendizados. No caso daqueles que se dedicam a diversas formas de mediação de leitura, o conjunto de saberes acumulados, usando ferramentas digitalizadas e outras, foi imenso, de uma enorme criatividade que não se pode desperdiçar com a volta ao presencial. Em pouco tempo, muitíssimxs mediadorxs encontraram (em alguns casos, quase que heroicamente) caminhos originais de contato com os leitores para que a leitura literária – e não apenas – seguisse viva e nutrisse a formação e o direito à cultura de diferentes populações, especialmente as mais afetadas. Com o regresso ao presencial, seria valioso não perder o que foi aprendido e seguir buscando pontes de integração entre o multimodal próprio do digital e os modos físicos e performáticos de leitura característicos da leitura em diversos espaços públicos. Outro desafio para os mediadores neste momento é dar um lugar de maior valor à palavra oral e aos corpos de quem lê, que foram antes atravessados por situações de leitura não ideais, sobretudo depois de tanto isolamento e da precariedade crescente nas condições sociais de grandes setores da população.

  • 1
    Na tradução desta entrevista preservamos a sinalização de linguagem neutra que Cecília Bajour adotou.

Compartilhe

Post Author

Autor

  • Priscilla Brossi Gutierre

    Jornalista com experiência em gestão de projetos de comunicação. Especializada no desenvolvimento de estratégias de conteúdo editorial, incluindo planejamento, edição, curadoria e redação, para diferentes formatos e mídias. No Instituto Emília, atua no plano de relacionamento com a imprensa e edita a newsletter mensal. 


    Priscill@revistaemilia.com.br Brossi Gutierre Priscilla

Artigos Relacionados

Delia Lerner

cecedac@revistaemilia.com CE CEDAC Grupo

BCBF24 | Conversas de Bolonha: Paloma Valdivia

Priscill@revistaemilia.com.br Brossi Gutierre Priscilla

Roberto Innocenti

JavierSobrino@revistaemilia.com Sobrino Javier

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *