Um papo com Elena Pasoli

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Priscill@revistaemilia.com.br Brossi Gutierre Priscilla

Diretora da Feira do Livro Infantil de Bolonha e membro do Conselho Consultivo da Emília conta, em entrevista à Emília, as novidades da edição de 2021, analisa o mercado editorial, as mudanças e desafios trazidos pela pandemia.

A expectativa era realizar a edição de 2021 de forma presencial, retomando os encontros na charmosa cidade italiana. A Bologna Children’s Book Fair, o mais importante evento do segmento no calendário internacional, chegou a anunciar datas, na esperança de dias melhores.  Mas a realidade da pandemia, que ainda desafia o mundo, foi determinante para o ajuste de rota: a feira deveria, então, ser realizada totalmente on-line, como ocorreu no ano passado. “No início, ficamos um pouco frustrados por ter que seguir no formato digital”, contou Elena Pasoli, diretora da feira. Mas, lembra, logo aceitaram esse novo desafio. “Estamos fazendo coisas novas, ampliando horizontes”.

A segunda edição on-line da Bologna Children’s Book Fair acontecerá entre os dias 14 e 17 de junho de 2021. A programação inclui as já conhecidas atividades: palestras, mostras de ilustração, encontros e, é claro, o anúncio dos tradicionais prêmios, sem esquecer das conferências especiais – uma delas vai discutir poesia para crianças. Poesia, aliás, será também tema da categoria especial do BolognaRagazzi Awards.

Identidade visual da Feira de Bolonha 2021, ilustração de Jean Mallard

Entre as novidades, o prêmio CrossMedia, melhorias na plataforma Global Rights Exchange para facilitar as negociações de direitos, e o BolognaBookPlus, que vai oferecer um conjunto de eventos para discutir o mercado editorial de maneira geral (não restrito ao universo de livros para crianças e jovens).

A Revista Emília conversou com Elena Pasoli sobre os aprendizados dessa empreitada digital, sobre o programa de atividades on-line, que vem ampliando o alcance da feira. Também sobre educação e os desafios que imperam no mercado editorial e na formação de leitores. Os principais trechos desse papo você pode acompanhar a seguir. Elena Pasoli participa do grupo de Colaboradores permanentes da Revista Emília.

Priscilla Brossi O que podemos esperar desta nova edição on-line?

Elena Pasoli Neste ano temos que fazer mais porque temos experiência. E queremos fazer melhor.  Trabalhamos duro para criar a nova programação e oferecer uma boa uma experiência digital. Teremos novamente as atividades tradicionais da feira, como as conferências, as conversas com ilustradores, com autores e com os tradutores, as premiações e também as atividades e conteúdos criados pelos participantes, gerando uma programação geral mais ampla.

Como em 2020, haverá diferente exposições de ilustração na plataforma BCBF Galleries, uma espécie de museu digital da feira. Entre elas, a terceira edição da Italian Excellence, que reúne jovens ilustradores, a mostra com trabalhos ilustrados dedicados ao grande poeta Dante e a tradicional mostra de ilustradores.

A Global Rights Exchange, plataforma de negócios que chega na sua segunda edição, estará muito mais ajustada às necessidades dos editores, com a ampliação de filtros. Será possível selecionar os títulos por país, por gênero, por idioma etc. Dou um exemplo: checar as opções de livros de poesia para pequenos leitores em chinês. Com o uso desses filtros, ficará mais fácil fazer diferentes tipos de busca. A plataforma ainda oferecerá a possibilidade de conversas com os editores – com tradução simultânea.

PB  Quais foram os aprendizados da primeira edição on-line?

EP No ano passado, a Feira de Bolonha foi a primeira no formato on-line do calendário internacional. Tivemos que descobrir em poucos dias o que poderíamos fazer. E acredito tivemos um ótimo resultado! Criamos uma plataforma para a negociação de direitos e adaptamos a programação da feira para o formato digital em pouquíssimos dias, totalmente sem experiência. Fomos um tanto pioneiros. E tivemos resultados positivos: cerca de 60 mil visitantes e mais de 20 mil títulos submetidos na Global Rights Exchange. Muito bom perceber que podemos fazer coisas on-line.

Sabemos, no entanto, que a feira presencial é imprescindível. Vários encontros e coisas importantes acontecem quando as pessoas estão reunidas em Bolonha. O acaso tem seu papel ali. Ao procurar por algo, de repente, esbarra-se em algo completamente diferente, criando uma sequência de causalidades, que, ao final, tornam-se relevantes, ainda que não tenham sido planejadas. No digital isso não é possível, a tela cria limites.

Mas o aprendizado que fica é que podemos combinar as possibilidades viabilizadas pelo formato digital com a feira presencial. Essa forma híbrida tem potencial de nos aproximar da comunidade ao longo do ano e não apenas nos quatro dias da feira.

PB – Várias atividades on-line foram criadas desde então. Poderia falar sobre elas?

EP Não se tratava apenas de adaptar a programação da feira para o digital, o desafio era também criar atividades novas. E assim passamos a realizar webinars e masterclasses, que estão indo muito bem. Seguimos fazendo agora e planejamos continuar com essas atividades no futuro. Temos que olhar o que foi bom nesse processo. Aprendemos muito, devemos continuar desenvolvendo, criando.

Nem todo mundo tem condições de vir a Bolonha e com essas atividades digitais podemos, em certa medida, ampliar o acesso a nosso conteúdo. Como a primeira grande feira de livros para as crianças do mundo, temos muitas conexões. E as pessoas gostam do nosso trabalho. Então, quando convidamos algum editor ou agente, por exemplo, a participar de uma determinada atividade, sempre nos ajudam muito. Queremos ampliar as oportunidades de de acesso e conexão. Esses eventos criam a possibilidade de diálogo com profissionais de referência no mercado editorial. A experiência on-line nos mostrou que podemos assim levar conteúdo para públicos maiores e mais abrangentes.

Identidade visual da Feira de Bolonha 2021, ilustração de Jean Mallard

PB Na sua avaliação, o que mudou no cenário de livros para crianças nesse último ano?

EP Logo no inicio da feira de 2020, ouvimos de muitos editores a decisão de diminuir os lançamentos, focar em seus catálogos, enfim, reduzir o ritmo. Estávamos no começo da pandemia. O fato é que em de um modo geral, e em termos globais, o mercado editorial se saiu bem. Sofreu um pouco, claro. Mas quem mais sofreu foram as livrarias independentes, porque houve um grande crescimento de vendas on-line.

Os editores seguiram em frente, ainda que lançamentos tenham sido adiados, que muitas livrarias tenham permanecido fechadas, sem ter como abastecer o mercado como costumavam fazer. Foram mais cautelosos sobre o que deveria ser publicado. Mas criativos, desenvolvendo várias atividades on-line. Assim como os livreiros. Tudo muito interessante. Eu me surpreendi ao ver o modo como o mercado editorial reagiu.

PB Você acha que há, entre as crianças, uma certa fadiga das telas? Ainda que em muito países, como é o caso do Brasil, tenham tido uma relação precária com ensino a distância. Talvez a Itália tenha uma experiência mais positiva nesse sentido…

EP Não exatamente. E isso foi um problema. Na Itália, um significativo percentual de crianças não teve acesso à educação digital. No sul do país, principalmente, muitas famílias não têm computador, não têm boa conexão de internet. Aliás, no que diz respeito à conexão, até em Bolonha, que é uma cidade com mais recursos, a qualidade de internet tem sido muito instável.

Em termos de educação, perdemos muito. Não é só o problema de aprendizagem. Tem também a questão do convívio social. É muito importante para crianças e jovens irem para a escola. Eles não têm estado muito bem nesse período. Enfim, há muito a ser feito.

PB  Diante desse cenário de crise global, acredita que seja um desafio levar conteúdo de qualidade para as crianças?

EP Sem dúvida, é sim. Essa rápida digitalização pela qual passamos fez com que os editores entendessem a importância do desenvolvimento digital de seus conteúdos. Quando se fala de livros para crianças, acredito que o papel ainda é importante. Os livros são centrais. Mas não gosto dessa rivalidade entre o digital e o papel. Acredito que o conteúdo é o mais importante. Talvez a pandemia tenha nos trazido a possibilidade de melhor entendimento desse conceito. O desafio fundamental é fazer com que as crianças se tornem leitoras, dando a elas bom conteúdo.

Identidade visual da Feira de Bolonha 2021, ilustração de Jean Mallard

PB Em 2021, a Feira de Bolonha inaugura uma nova categoria do BolognaRagazzi Award: CrossMedia. Poderia explicar esse novo prêmio?

EP Eu estou muito orgulhosa desse novo prêmio. Somos um tanto pioneiros no que diz respeito a conteúdo digital para crianças. Em meados de 1990, já realizávamos um dos primeiros eventos para discutir as iniciativas, algo como eletronic publishers. Em 2002, criamos o primeiro prêmio de e-books para crianças (que foi interrompido pela escassez de projetos). Em 2010, lançamos um prêmio focado em aplicativos. Agora a ideia é reconectar os editores a esse prêmio. Não está voltado aos desenvolvedores, mas sim aos editores. Para que possam apresentar seus melhores projetos editoriais, que expandam seu universo narrativo em diferentes mídias ou que sejam a extensão narrativa de um projeto originado em outras mídias. Um livro que, então, vira um aplicativo, que pode se tornar uma animação…

PB  A poesia ganhou espaço na programação deste ano: premiação especial, conferência. Por que falar de poesia agora?

EP A poesia está crescendo muito em todos os lugares. O último Prêmio Nobel de Literatura foi para uma poeta. Na cerimônia de posse do presidente norte-americano Joe Biden houve o discurso de uma jovem poeta. A poesia está em todos os lugares. E a produção de livros em poesia para crianças vem crescendo nos últimos anos. As pessoas precisam de poesia.

PB  As discussões não estarão limitadas ao universo do livro infantil. O que mais a edição 2021 vai trazer?

EP Neste ano teremos o BolognaBookPlus, um conjunto de eventos focado no mercado editorial em geral, não apenas voltado aos livros infantis. Uma das principais conferências vai discutir justamente o que muda no setor devido à pandemia. Também vamos focar em tradução, com debates sobre o tema.  Além de discutir a autopublicação, área que vem crescendo muito, analisar no que está acontecendo nos principais mercados.

São novidades que mostram que aceitamos o desafio, estamos fazendo coisas novas, ampliando horizontes. Em 2020, fizemos a primeira edição on-line. Agora que temos que olhar para frente. Não podemos ficar aqui esperando para ver o que acontece. Temos que tomar as rédeas. Temos que criar nosso próprio futuro.

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  • Priscilla Brossi Gutierre

    Jornalista com experiência em gestão de projetos de comunicação. Especializada no desenvolvimento de estratégias de conteúdo editorial, incluindo planejamento, edição, curadoria e redação, para diferentes formatos e mídias. No Instituto Emília, atua no plano de relacionamento com a imprensa e edita a newsletter mensal. 


    Priscill@revistaemilia.com.br Brossi Gutierre Priscilla

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