Uma conversa com Dolores Prades

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Em entrevista à  revista Você & Tintas, publicação da Organización Internacional para el Libro Infantil y Juvenil de Latinoamérica y el Caribe, Dolores Prades fala sobre seu trabalho como publisher da Revista Emília.1Entrevista originalmente publicada na Revista Voces & Tintas N°3 – Mujeres: Imaginarios y Perspectivas, publicação da Organización Internacional para el Libro Infantil y Juvenil de Latinoamérica y el Caribe. https://www.ibbychile.cl/2022/06/20/revista-voces-tintas-n3-mujeres-imaginarios-y-perspectivas-revista-de-la-organizacion-internacional-para-el-libro-infantil-y-juvenil-de-latinoamerica-y-el-caribe/

Revista Vocês & Tintas Qual o significado para você de ser uma consultora reconhecida no campo da literatura infantil? Que desafios e aprendizados, liderar esses processos lhe trouxeram?

Dolores Prades  Para mim, sem dúvida, significou um trânsito muito ágil, respeitoso e fraterno com pessoas de diferentes áreas do livro para crianças e jovens (editores, autores, especialistas, ilustradores, entre outros). Acho que essa é a parte mais importante de todo esse processo. Penso que essa construção de redes é a base de toda promoção da leitura, somado à possibilidade de aprender mais sobre muitos mercados, como eles funcionam e como se desenvolvem.

Ter referências é essencial para analisar cada realidade com mais elementos, assim como ter a oportunidade de ampliar o repertório só enriquece as múltiplas e possíveis visões. Acredito que o grande aprendizado, olhando para trás, resulta na possibilidade de ter muitos elementos à mão para entender a diversidade dos diferentes mercados, de acordo com suas diferentes histórias e culturas.

Esse contato intenso e regular com outras realidades, critérios e “gostos”, acaba por relativizar as coisas, no sentido de se opor às posições absolutas, fechadas e nem sempre acolhedoras daquilo que é diferente. Os desafios foram enormes, muito estudo, muita escuta, para entender e respeitar a enorme riqueza de toda essa diversidade

RVT   Na sua função de idealizadora e coordenadora do Instituto Emília, quais projetos você destaca? Você poderia nos contar sobre novos projetos que deseja desenvolver no futuro?

DP – O Instituto Emília completou 10 anos em plena pandemia, e o que pensávamos ser um pequeno desastre acabou sendo um sucesso. Com um novo site para comemorar a década, fomos obrigados a colocar a cara nas redes e, para surpresa de toda a equipe, percebemos o enorme respeito e prestígio nacional e internacional de nosso trabalho. O novo site é um retrato da nossa história, de todos os projetos que inventamos e desenvolvemos: a Revista e os Cadernos, agora em sua 7ª edição, com acesso gratuito; o Educativo Emília, com todos os cursos, seminários, exposições, clubes de leitura; o Selo Emília que, em parceria com a Editora Solisluna, já tem com um catálogo que impõe respeito; consultorias e projetos em parceria com instituições irmãs que admiramos profundamente.

Somos produtores de conteúdo sobre temas de leitura, leitores, literatura, e muito reconhecidos por isso. Creio que essa longa história, com o esforço e empenho de colaborações praticamente voluntárias, transformou o Instituto Emília em um projeto muito único e especial.

Faz alguns anos, em decorrência do infeliz e brutal contexto político de nosso país, estamos ajustando nossos objetivos, deixamos de ter como objetivo principal a literatura para crianças e jovens e ampliamos nosso foco na formação de leitores permanentes, ou como gostamos de dizer, leitores “desobedientes”, como menciona Graciela Montes.

Esse ajuste na rota nos aproximou do que consideramos atualmente uma das ações mais poderosas: iniciativas de formação de leitores e promoção da leitura nas periferias. Essa proximidade resultou em um dos projetos mais incríveis que realizamos até hoje: o livro Nascidos para ler no melhor lugar de se viver. Livro criado e editado pela comunidade de Parelheiros, projeto do Ibeac — Instituto Brasileiro de Estudos e Apoio Comunitário — e do Instituto Emília, realizado com o apoio do Itaú Social, distribuído gratuitamente a todos recém-nascidos de Parelheiros na saída da maternidade. Esta experiência, por si só, merece uma entrevista!

Em 2022 promovemos grandes mudanças em nosso projeto Destaques Emília, que consiste na avaliação anual das novidades do mercado dos livros para as infâncias. Estamos incorporando jovens leitores de escolas públicas e grupos de reflexão ao nosso grupo.

RVT  Como você vê o papel das mulheres latino-americanas e caribenhas na gestão e produção de livros para crianças e jovens?

DP –Acredito que as mulheres latino-americanas e caribenhas são a alma. Se revisarmos, mesmo historicamente, os nomes das principais editoras, veremos que, com raras exceções, as mulheres se destacaram como referência e inspiração. Não vou citar nomes, mas praticamente as melhores editoras foram e são dirigidas por mulheres.

RVT  Como você analisa nossa participação como região em prêmios importantes como o Hans Christian Andersen e o Bologna Ragazzi Award?

DP – EEsses dois prêmios foram essenciais para dar visibilidade à literatura para as infâncias e juventudes da região. Nomes como Lygia Bojunga, Ana Maria Machado, María Teresa Andruetto, Roger Mello foram porta-vozes e embaixadores, não só do Brasil, mas de toda a América Latina, ao redor do mundo. Acho importante, contudo, continuar investindo e ampliando essa participação. O processo de dar certa visibilidade à nossa produção editorial foi longo. Neste aspecto, os IBBYs têm um papel decisivo, assim como as editoras que participam do prêmio Bologna Ragazzi Award, enviando suas novidades.

Mas é claro que é preciso que haja políticas públicas e institucionais de apoio. Alguns países, o Chile é um deles, vêm desenvolvendo, há alguns anos, uma política de apoio à divulgação de sua produção editorial. E isso muda tudo, porque sabemos que os custos são altos e que as pequenas e médias editoras —que normalmente são responsáveis pelos projetos mais arriscados e inovadores — não têm como se financiar. É necessário garantir essas políticas.

RVT Você faz parte da equipe que coordena o Seminário Profissional Leer Iberoamérica Lee. Como é gerado esse vínculo entre os países da América Latina e Espanha?

O Leer Iberoamerica Lee é um projeto nascido da experiência do Laboratório Emília (dirigido por Inés Miret, do Neturity na Espanha, e por mim, representando o Instituto Emília) como resultado de nossas redes, somadas às de José Castilho, os três sócios deste projeto.

Para quem conhece Inés e José, sabe o que eles representam no mundo do livro e da leitura da região. E é com toda essa experiência que chegamos hoje ao nosso 4º Seminário Internacional, realizado nos dias 7 e 8 de junho em Madri. Até a semana passada, já tínhamos 1.100 inscritos [o total de inscritos virtuais foi de 3.800 pessoas, mais 200 inscritos presenciais!]

O objetivo deste seminário internacional é divulgar as experiências em torno da leitura realizadas na América Latina, pois estamos convencidos de seu caráter inspirador e transformador. Promover a reflexão e o intercâmbio de teorias e práticas é um de nossos principais objetivos, sem perder de vista a contemporaneidade e os desafios e dilemas que enfrentamos. Tudo isso a partir do entendimento da leitura como uma atividade capaz de dar voz e visibilidade a segmentos sociais até agora mantidos nas sombras.

RVT  Considerando todos os projetos em que você participa, como acha que podemos criar mais e melhores alianças entre nossos países para desenvolver projetos comuns?

DP – Acredito que, para criar mais e melhores alianças, devemos promover encontros. Como fazem falta os cafés que tivemos que deixar de lado com a pandemia! Devemos pensar em estratégias baseadas em experiências inspiradoras dos países, redes de troca de alimentos, criar fóruns de discussão regulares, deixar os livros viajarem entre nossos países! E para isso é preciso quebrar barreiras, e muitas. Aqui eu insisto, novamente, que esta poderia ser uma atividade IBBY. Sabemos que, apesar das diferenças nacionais, temos problemas estruturais comuns e que devemos garantir o acesso à literatura como direito. Para isso, é preciso formar mediadores, fazer os livros chegarem onde eles não existem, criar bibliotecas, pensar em políticas do livro. Acredito que a promoção de projetos comuns aumentaria não só as chances de sua realização, mas também a escala de seus resultados e sua divulgação. As fronteiras devem ser quebradas.

RVT O que você está lendo agora? Algum autor da região de preferência?

DP – Neste momento estou com Lina Meruane, amando seu livro Tornar-se Palestina e estudando as obras de Franz Fanon

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