BCBF24 | Vozes indígenas na literatura infantil

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Ler um livro em sua própria língua, ter acesso a histórias que reflitam sua realidade, que respeitem sua identidade. Esses deveriam ser direitos de todas as crianças. Mas aquelas que vivem em comunidades indígenas ainda não têm tido pleno acesso às palavras de autores de seus povos, à riqueza de suas línguas.

O painel sobre as vozes indígenas na literatura para as crianças durante a Feira do Livro Infantil de Bolonha de 2024 lançou luzes para essa realidade, de que é preciso garantir que meninas e meninos dessas comunidades se vejam representados na literatura. O vencedor da edição de 2024 do Astrid Lindgren Memorial (ALMA), importante prêmio da literatura para as infâncias, anunciado durante a Feira, foi justamente para uma organização que incentiva a leitura e luta pelo direto das crianças indígenas terem acesso à boa literatura, o Indigenous Literacy Foundation (ILF).

No Brasil esse é um debate que ainda precisa crescer. Dolores Prades, do Instituto Emilia, lembrou na abertura do encontro que só há bem pouco tempo o país tem um representante indígena em uma organização literária de destaque, com a eleição de Ailton Krenak como membro da Academia Brasileira de Letras.

A autora inuk Aviaq Johnston destacou a importância do respeito à língua nativa. “Muda a perspectiva, o diálogo”. Os inuks habitam o território Igloolik, Nunavut, no Canadá e têm o inglês como o segundo idioma. Por isso mesmo ela fez questão de se apresentar na sua língua nativa e só depois passou a falar em inglês. Aviaq é autora dos livros para crianças e jovens escritos em inuk e inglês com personagens e experiências que espelham a realidade das pessoas daquela comunidade.

Para Eboni Waiter, editora de origem maori, na Nova Zelândia, é necessário oferecer oportunidades para que língua e a cultura nativas estejam presentes nos livros para crianças e jovens. “Publicamos autores indígenas. Nosso povo quer ler suas histórias, quer se ver nessas histórias e nas ilustrações, quer que seus ambientes estejam refletidos. É importante oferecer isso”.  Ela é diretora da Huia Publishers, uma editora independente de origem maori que produz livros na língua originária.

Já Adolfo Córdova, jornalista mexicano, pesquisador de literatura infantil e juvenil,  apresentou a história de Noemi, uma menina indígena de seu país que teve o direito a escrever e falar sua língua nativa – ainda que o idioma oficinal das escolas seja o espanhol – graças a um professor que estimulou e respeitou sua origem. “Ela vive na comunidade onde nasceu, mas nunca tinha lido um livro em sua língua originária. Para ela os livros e a leitura não eram espaços de refúgio, como costumamos chamar os livros”, lembra. “Eles eram uma casa estrangeira, em um língua diferente daquela que sua mãe, sua família, fala com ela”. A garota pôde ter acesso a um livro em seu idioma originário graças a seu professor.

O linguista brasileiro radicado nos Estados Unidos, Vitor D. O. Santos, autor de livros infantis, entre eles What makes us humans, destacou a importância do debate sobre a presença dos indígenas na literatura para as crianças, sejam livros sobre eles ou histórias escritas por eles, garantindo a representação desses povos e de suas línguas nos livros que chegam aos pequenos leitores. “É preciso garantir uma representação autêntica, que espelhe a realidade”, ou seja, “que as casas e seus ambientes sejam parte das histórias”, ressaltou David Unger, autor e tradutor de origem guatemalteca.

A ilustradora Nat Cardozo contou que seu país, Uruguai, ignora a presença indígena. “Diziam que não havia mais indígenas aqui, mas 30% de nossa população descende deles e há indígenas vivos”. Nat se dedicou a pesquisar sobre os povos originários de várias regiões do mundo para  Origen, livro ilustrado que reúne contos em primeira pessoa, escritos com a direção literária de María José Ferrada, sobre o passado e o presente dos povos indígenas, uma longa história de luta e resistência, a defesa não só do próprio território, mas também da língua e do modo de vida tradicional. O livro fez parte da seleção The Amazing Bookshelf, da Feira do Livro Infantil de Bolonha deste ano.

Jason Low, editor da Lee & Low Books, uma casa editorial multicultural dos Estados Unidos, finalizou dizendo que publicar livros tendo a diversidade como compromisso é sempre um desafio de mercado, mas que deve ser um compromisso com a sociedade.

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  • Priscilla Brossi Gutierre

    Jornalista com experiência em gestão de projetos de comunicação. Especializada no desenvolvimento de estratégias de conteúdo editorial, incluindo planejamento, edição, curadoria e redação, para diferentes formatos e mídias. No Instituto Emília, atua no plano de relacionamento com a imprensa e edita a newsletter mensal. 


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