BCBF24 | Os mundos que cabem em Bolonha

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A chegada a Bolonha para a primeira Feira do livro é repleta de expectativas. Há todo um imaginário sobre o evento. Dizem que é “o” lugar para estar por dentro do mundo dos livros infantis, ilustração e histórias para crianças e jovens”. Eu já conhecia a Feira a distância, sabia da sua programação e de seus prêmios, mas, claro, acompanhar ali de pertinho, ao vivo, seria diferente. E foi.

Minha estreia na Feira coincidiu com uma espécie de “edição da retomada”, depois de todas as dificuldades trazidas pela pandemia. Era possível notar o tom animado das conversas pelos corredores, os reencontros cheios de afetos. Os números oficiais dão conta de uma edição superlativa: 1.523 expositores vindos de quase 100 países, 31.735 profissionais (um aumento de 10% em relação a 2023) e 385 eventos realizados, além dos eventos paralelos espalhadas pela cidade.

Mesmo diante de todo otimismo, não se pôde ignorar uma dura realidade: as guerras no mundo que seguem vitimizando crianças foram lembradas em discursos e alvo de protestos de várias formas. Um estande cedido pela feira reuniu obras originais de ilustradores que  foram doados para arrecadar fundos à agência da ONU de assistência aos refugiados da Palestina (UNRWA).

Andei muito nesses quatro dias deF. Muito mesmo. Tentei ver o máximo de estandes possíveis, mas devo confessar que fiz uma seleção. Queria entender melhor a presença não européia lá, em especial a latino-americana. Conversei com editores, autores, ilustradores, jornalistas e apurei que há um intenso trabalho em torno de livros e histórias que possam representar melhor a diversidade que temos no mundo.

Pude testemunhar os destaques do Brasil. Foram cinco ilustradores daqui selecionados para a tradicional Illustrators Exhibition, o prêmio de melhor livro para bebês para Dia de Lua, de Renato Moriconi (Jujuba), a indicação da Solisluna como melhor editora da região América Latina e Caribe, as indicações de Marina Colasanti e Nelson Cruz para o prêmio Hans Christian Andersen. Mais de 40 editoras brasileiras presentes, além dos profissionais que estavam lá. O ilustrador curitibano Henrique Moreira vencedor o prêmio BCBF – Fundación SM e mineiro Bruno de Almeida o artista selecionado para ilustrar a identidade visual da próxima edição da Feira. O estande do Instituto Emilia mostrou-se um espaço coletivo inspirador. Um grupo de editoras que juntas fizeram a representação de um pouco das histórias de nosso país.

Ampliar mundos e histórias

A 61ª edição da Feira do Livro Infantil de Bolonha expressou seu compromisso de ampliar as trocas entre os profissionais do mundo editorial e dar suporte a mercados emergentes. Em sua terceira edição, o programa de apoio às editoras africanas permitiu a presença de profissionais de vários países do continente. Foi justamente no Africa Spotlight que tive uma das conversas mais inspiradoras da feira. Ali, no espaço da Ouida Books, da Nigéria, conheci Lola Shoneyin escritora, editora, livreira e ativista do livro e da leitura. A entrevista que fiz com ela está disponível aqui na Revista Emília.

Acompanhei debates que abriram perspectivas para ampliar a diversidade do mercado editorial. Como garantir que traduções e adaptações sejam respeitosas com as diferentes culturas? Como as grandes editoras podem trabalhar para incluir em seus catálogos histórias de culturas que sempre foram marginalizadas? Como lidar com o racismo nos livros para crianças? E como levar as vozes indígenas para a literatura infantil? Perguntas que o sul global já está fazendo há algum tempo mas que ecoam com força quando feitas e discutidas em uma feira internacional desse porte. Pena que faltou tempo para debater com propriedade questões tão complexas.

Exposições

Foi muito bacana ver ao vivo as tradicionais Mostras da Feira: a dos ilustradores, as dos livros premiados, dos livros selecionados. E também a mostra de ilustradores da Eslovênia, o país convidado desta edição; a mostra de Paloma Valdivia, a ilustradora autora da capa do anuário de 2024; a de Andrea Antinori, vencedor do Prêmio BCBF – Fundación SM do ano passado.  O legal é que é possível conhecer alguns desses trabalhos agora a distância nas galerias virtuais que a feira mantém em seus site. Recomendo a visita.

Não só livro infantil

Para além dos livros para crianças e jovens, a Feira de Bolonha também vem se abrindo para discutir o mercado editorial de forma mais ampla. Há quatro anos abarca publicações para adultos, dentro do programa BolognaBookPlus (que teve publicação em áudio como um dos temas de destaque dos debates e o autor Neil Packer como embaixador). Outra iniciativa é o PublishHer, que dá visibilidade ao trabalho de mulheres no universo dos livros e da edição.

Teve tanta coisa mais. Debates sobre sustentabilidade, inteligência artificial, quadrinhos, negócios e licenciamento, direitos e conteúdo audiovisual… Impossível ver tudo com profundidade. Fica a sensação de que muita coisa ficou por explorar. Depois de anos acompanhando a Feira a distância, entendo que o aprendizado da experiência presencial é marcante, especialmente pelos encontros que o evento proporciona.

Bolonha é uma cidade elegante que emana vitalidade universitária. Impossível ficar indiferente a seus pórticos e ao tom terracota de seus edifícios. Nesse começo de primavera, com temperaturas bem acima do que eu suporia, tínhamos o convite perfeito para o aperol spritz. E muitas conversas inspiradoras não só nos corredores dos estandes como também nas ruas da cidade, onde por alguns dias os mundos cabem em Bolonha.

* Viajei a convite da Feira do Livro Infantil de Bolonha como jornalista do Instituto Emília para a cobertura do evento.

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  • Priscilla Brossi Gutierre

    Jornalista com experiência em gestão de projetos de comunicação. Especializada no desenvolvimento de estratégias de conteúdo editorial, incluindo planejamento, edição, curadoria e redação, para diferentes formatos e mídias. No Instituto Emília, atua no plano de relacionamento com a imprensa e edita a newsletter mensal. 


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